pudesse eu"

Quiseram-me sempre em vão
despejar das sombras
das ideias.
Como se o pensamento pudesse ser
clarificado. Mal sabem eles
que o pensar não é
de ninguém.
E agora, paradoxalmente
querem expulsar-me do inferno.
Mas pudesse eu, demonstrar com rigor e luz
o que é o respirar trivalente
daquela zona intermédia do entre:
onde as sensações correm em bloco
indeterminadas, sem cor ainda.
Puras e sonâmbulas como fantasmas
visíveis em contrapontos que.
Forças que nos afectam se.
Afectos e perceptos
cânticos e danças.    
Eis a região onde os conceitos são ainda, visões
de acontecimentos possíveis, de virtualidades
abertas. De eventos
aleatórios de
laços de imanência em estado bruto.
Pudesse eu quantificar a força
de um sorriso contingente
e analizar com verdade ou correcção
o termo iluminado, a ele associado.
Ou qualificar com belas palavras
e cores fantásticas
a força e o sentido intrínseco e antropológico
de um pedaço necessário de merda
e creio que do mesmo modo poderia, talvez
rasgar o fundo das veias cósmicas da vida bela
e revelar em extensão
o seu afecto
imundo
ora doce ora cruel
no seu afago.
Mas só me resta uma fuga possível:
cortar a imaginação em mergulho caótico e
penetrar para lá do entendimento lógico com
e desventrar a base sensorial da matéria terra
da tela, da folha ou.
Sonho. 
E colocar um gesto
um cheiro ou um vislumbre da carne
do mundo. Mas separada
(dos seus próprios ossos ontológicos)
e misturada com a cor escura
do infinito
que emana das fezes
do animal humano
que desencarnado foge
para no devir 
ser conservado e elevado
a monumento.