Sem ironias demagógicas ou populistas e sem romantismos
puramente obscenos, mas farto (ou cheio) de graça e de espírito santo… meus
caros: o absurdo da vidinha enrolada é tão imenso e desproporcional no que toca
à clara e evidente realidade… mas tão sem sentido e arrasador de honestas e
sóbrias perspectivas… que o meu ser, mesmo que modestamente consciente da ilusão
deste momento, não pode deixar de se enriquecer e alegrar soberba e
incomensuravelmente, com tanta improfundável beleza, inócua bondade e obscura
verdade: sentado de perna cruzada ao sol e de mão em punho neste território sem
Mundo. Onde apenas interessa o afável calor nos ossos e as imagens alucinantes
que passam: de seres animados que se cruzam na vida. Que deambulam para a
frente e para trás. A mastigar chiclete. A ver as raparigas desfilarem. De
telemóvel na mão. Todos com as suas vidas cheias. De pensamentos e expectativas
apensadas umas nas outras. Desejos. Outros, passam abraçados a objectos móveis.
E o vento que sopra de mansinho a seduzir as árvores, levemente. Também eles
expressam narrativas e murmuram segredos para todas as idades. Enfim… o barulho
dos motores e o seu fumo mortífero. O olhar das raparigas (e os seus corpos e
as suas almas) cheias de esperanças. As casas que restauradas se erguem, pouco
fálicas, pela pequenez da cidade, mas que compõem um quadro magnífico: esta
praça milenar que aqui repousa sem berço. Também elas trocam saliva e sorriem
aos pássaros e às pombinhas. E eu. Ainda sentado agora com o sol nos olhos, a
sentir-me um vagabundo privilegiado, que sabe o valor de uma dor embriagada de
felicidade, mas que ainda não sabe o valor da vida e o valor da morte, mas
apenas, o quanto vale o absurdo de um importante raio de sol, sem sentido...