perde a noção do tempo e acorda com o pulmão no cérebro "

   Mesmo quando imagino e estendo para fora de mim, o desejo Deleuziano, de uma existência comum: ornamentada com aqueles afetos e confortos vulgares, tão necessários… permaneço na sombra dessa miserável estrutura apodrecida e oca, que reluz sistematicamente como um corpo mecânico a óleo, enferrujada, de arquétipos, indesmontáveis. E assombrado, procurar um novo problema é um modo de ocupação constante para quem arranja soluções impraticáveis pelo comum dos mortais. Por exemplo: a simples vontade de inclusão de um ser deveria ser o suficiente para uma normal integração. Mas não é. Muito menos quando a ação da mente e do coração de um homem, não são exatamente do mesmo calibre da mediocridade, daquela medida tão muito bem nivelada por baixo - diga-se. Por isso, um homem vive loucamente marginalizado da sua potência. Tão lúcido da geral condição humana quanto da bomba que nele se reproduz. É quando um homem vive com uma granada no estômago. Se a um homem não é possível cumprir sua tarefa originária, sua missão não escolhida, através do talento para o qual nasceu, então, alguma responsabilidade não pode existir nele próprio ou em seu temperamento, mas antes, no seu externo, no seu meio. É quando um homem vive duplamente desdobrado em sua carne ensanguentada, sem órgãos e já sem tripas, a dolorosa realidade do que ele mesmo é e não é, dividido pela alteridade, embrulhado na constante deliberação do aleatório. Do entre. Do intermédio. Daquilo que tanto faz. É quando um homem sofre na sua consciência a ignorância dos demais entes. Estes, ainda com muito pouco de Ser. Animais. Anjos. Humanos! Quando um homem pensador autêntico cria sua sensibilidade única, adormece tarde, se conseguir abstrair-se da sua própria sombra. Pois quando um homem descobre uma porta, a sua vida fica suspensa, quando ele a tenta abrir. E do outro lado ouve os murmúrios. Então senta-se e sente o crescimento das árvores em noites sombrias, que refletem pelo entre dos seus ramos a força de uma outra luz: é quando o homem descansa do seu movimento caótico. É quando as imagens humedecem em dionisíacos ângulos e os corpos deliciosamente despidos vergam-se por entre os ramos das redondezas. É quando um homem é salvo pelo grito da natureza e despido pela sua própria nudez. Pois quando um homem vê o seu destino suspenso, entende a expressão corporal das belas mulheres e os dias que por aí passam. É quando um homem perde a noção do tempo e acorda com o pulmão no cérebro. Quando conhece os caminhos do tempo e o repousar dos vivos sobre os seus túmulos quentes. É quando se deixa hipnotizar e se levanta apenas com o que possui: nada. Apenas sombra de sombra em sombra, a fugir de si e da sua própria sombra. É quando atinge a plenitude do anonimato e tenta pintar-se por detrás de uma tela. E pinta do avesso: sem pele, sem pelos e sem olhos… mas com os órgãos já fragmentados pela luz externa, pela ilusão de um fenómeno: um sorriso que chora, um olhar adormecido, um abraço que mata, um corpo etéreo, uma virgem que se prostitui diariamente. Perceberam? A ideia de uma puta virgem? A ideia de um pobre cheio de riquezas? É quando um homem que morre, semeia-se a ele próprio no jardim mais próximo e enterra a esperança numa sombra húmida e quente. É quando um homem, ou uma mulher, se desconhece verdadeiramente e recorda: uma orgia dionisíaca em pleno devir hedonista, sem remorsos, sem culpas, sem orgulho, sem dor e sem prazer. É quando um homem come o que tiver à mão… se tiver. Escreve e desenha, pensa e observa, com a mão. Manobra sem olhos: des cobre-se e des conhece-se. Pois cega, a mão domina a visão e o corpo domina a mão. Já sem carne e sem sangue: é quando os ossos observam e batem sem dor. É quando um homem, que está inspirado e teso, avança com uma venda para o seu projeto formoso, para o que está por vir… e não se vem. Percebem o paradoxo? É quando Deus vindo à terra, encontra-se a ele mesmo morto e repensa o seu mesmo projeto. É quando um animal autêntico, que encontra um anjo, tenta fazer amor para conceber um mesmo ser. Enfim… sendo, é o que não é!