a origem da consciência "



   Aquilo que penso é que não sou uma mera coisa e muito menos um simples número ou epifenómeno. Mas que embalado pela consciência sou do reino dos fins. Mas sou-o porque estou no aqui e no agora. E como tal a minha filosofia é muito mais que filosofia e o meu espírito crítico é muito mais que criticismo. Pois ambos possibilitam e negam a desconstrução do que existe, do que supomos existir e do que existe e nos é ocultado, assim como a construção do que ainda não existe e que nos aparece como limitado.

   Na fase final do seu livro, A origem da Obra de Arte, (Heidegger, 1992) ele afirma: “As considerações precedentes concernem ao enigma que a arte em si mesma é. [e diz] Longe de nós a pretensão de resolver tal enigma. [pois] A tarefa consiste em ver tal enigma.” (ob.cit.p.65) E fazendo uma analogia, também a consciência assim como a arte é para mim um enigma e a minha pretensão está longe de a querer resolver. A proposta que apresento consiste na tarefa de tentar responder á questão sobre a origem da consciência e seus modos existenciais de ser, a partir do seu próprio devir. E assim verificar que ao reflectirmos sobre a ausência e incapacidade de uma conclusão cientificamente válida, através da noção dos modos da consciência se revelar como próprio veículo do espaço e do tempo, pensar a consciência a partir da sua própria essência e assim concluir que a verdade do ser consciente, sendo exterior e anterior, é necessariamente a base que cria o eu transcendental e os seus limites. Tentar pois compreender, que a consciência não é nem originada na mente ou no cérebro do sujeito interno e subjectivo, nem na natureza exterior, pois a consciência é a plataforma que precede o sujeito transcendental, os objectos ou as coisas. Os seus limites são ilimitados e a dicotomia sujeito/objecto e númeno/fenómeno não existem na realidade, são criações do sujeito psicológico, esse sim, produto do cérebro e do devir através da mente. E tentar desconstruir esta ilusão é o meu dever, pois a reflexão exige de mim um novo girar sob a minha própria consciência, que sendo o a priori de si mesma e a origem de tudo o que é material e imaterial, estende-se em revelação por todas as mónadas do ser aí, através dos seus pensamentos, emoções e acções, em diversas esferas existenciais.

   As questões consistem no seguinte: como nos aparece na consciência a própria consciência? Qual o modo da sua interdependência ou conexão? Quais as suas características? Qual a sua forma? Como se actualiza? Como notámos a sua presença? Se origem significa o local onde a consciência habita, modo significa as diversas formas pelas quais ela se revela parcialmente ao sujeito e a todo o real, constituindo assim variadas esferas de realização, mas que diferem de mónadas leibnizianas, pelo facto de serem abertas na sua pluralidade cosmopolita. Ou seja, a consciência, senhora do espaço e do tempo, é a origem que provoca o essencial em qualquer esfera. E se estas formas são modos, o processo surge através da actividade do sujeito, porém, este não é detentor de uma consciência essencial mas apenas intermediário, pois é a consciência que faz existir o sujeito que transcendental, psicologicamente se constitui através de um processo evolutivo. Logo, é preciso inverter o caminho do comum senso fisicalista, que reduz a consciência a uma actividade cerebral. Se a consciência é a origem das esferas, o sujeito na sua actividade é a origem do modo pelo qual a consciência antes velada, se revela aí no mundo e se introduz em dialéctica na mente, através de um processo que constitui a ontologia do ser, enquanto sujeito existencial na sua vivência. Quanto á sua total nudez ou se esta se revela apenas parcialmente, creio não existir fenómeno algum, pois quem já aí está não tem que aparecer, mas ser. Logo, em concreto, não há nela vários níveis graus ou dimensões, pois a consciência não se condiciona pela experiencia em si, nem pela nossa estrutura cerebral. Qualquer ser pode por ela ser preenchido e arrebatado. Kant por exemplo teve poucas experiencias e Jesus no seu dia/dia era um no meio de muitos, assim como Lincoln, Nietzsche, Mozart, Francis Bacon ou Jean-Michel Basquiat. Porém, podemos nós desconectarmo-nos dela ou ela de nós? Creio que sim, assim como também ela pode revelar-se apenas numa esfera ou num determinado sujeito. A questão consiste em não definir a experiencia apenas como subjectividade, mas como determinação dialéctica, pois se esta precede qualquer actividade modal, assim como precede o espaço e o tempo e o próprio sujeito, ela subsiste á temporalidade física. Impõe-se a questão: para que serve a consciência? Creio que serve para entendermos que apenas através dela mesmo, nós podemos estar cientes de nós próprios. No entanto, falamos em algo que essencial e perene, nem sempre é intuído, percepcionado ou entendido. Porque para se ter consciência deste processo, talvez seja necessário após este nosso salto, descer á realidade das diversas esferas da actividade humana e aí tentar encontrá-la. E no âmbito das esferas que mais me interessam aqui, o que sabemos é que sem actividade do sujeito intermediário, nem obras de arte nem princípios éticos a considerar, mas sabemos que estas esferas são um modo pelo qual podemos apreender algo sobre a verdade da consciência. E se “A origem da obra de arte (…) é a arte.” (p.62) Assim como o moralista é a origem dos princípios éticos, necessariamente a consciência é a origem da consciência dos artistas, dos moralistas e de todos os seres humanos. E assim sendo, não é o neurocientista o detentor da esfera da consciência, pois esta estende-se por todas as esferas, precedendo-as, sendo a cola de todas elas, assim como do movimento do espaço e do tempo. A consciência é pois a origem do mundo e do sujeito. E para a encontrar, numa dialéctica existencial a consciência faz aparecer o sujeito a si mesmo, enquanto este, age e vive a sua existência e através das suas diversas esferas se realiza e se dá conta da consciência que tem. E assim como diz Heidegger, que “a arte encontra-se na obra de arte” (p.12) A consciência encontra-se na nossa existência. Logo, a consciência apreende-se a partir da existência, sendo esta a sua essência ontológica. Chamar-lhe-emos uma super esfera que dialecticamente se dispersa em sub esferas do domínio humano. E porque a consciência se revela através da praxis do sujeito em determinada área, ela jamais se revela em absoluto. Mas quando a consciência se impõe, surge no tempo histórico um génio. E sendo a consciência a base da existência no espaço e no tempo, nós podemos contudo existir sem consciência. Melhor, arrisco dizer que por isso mesmo temos a noção de existência, porque lançados no mundo, órfãos de consciência, a procuramos exaustivamente. Mas paradoxalmente, é ela que a nós se impõe extrinsecamente. E por isso aqueles que do mundo se isolam, não a dominam senão quando se inserem no mundo prático. Assim fez Zaratustra, Jesus e os yogas com as suas técnicas, assim como os diversos artistas quando colocam as suas obras. E assim provocam mudanças, nas condutas e nas mentalidades. Não podemos pois partir de princípios gerais, nem tão pouco de esferas particulares, mas apenas do nosso devir, que é a essência e o alimento da consciência. Pois assim como o alimento que ingerimos mantém o nosso corpo em funcionamento, o nosso desenvolvimento em movimento mantém a consciência perto de nós. E nesses momentos, temos consciência de que a consciência está aí, fora e dentro de nós. Racionalmente somos a essência que se constrói no devir, mas verdadeiramente, o ser é mais que experiencia, quando conectado com a consciência. Pois através do ser humano, uma pedra vira uma escultura. E como ente que está aí, a pedra transmite a sua vida, que é para nós consciência. A questão que se põe é: como agarrá-la? Será possível fixá-la? O que acontece é que podemos apenas fixar uma parte do seu movimento nas esferas. O filósofo por exemplo tenta fixá-la num livro, os artistas num quadro ou numa música através do suporte que usam, seja a tela, as tintas, um instrumento musical ou frases de um livro. Contudo, o seu fixar é uma questão hermenêutica, pois sendo ela filha do autor da obra, é no entanto e ao mesmo tempo a sua própria Mãe. O que pretendo indicar, é que as esferas onde estas tarefas da consciência exercem e transportam um aparente maior conteúdo aporético, são precisamente as esferas onde um maior resultado apodíctico da consciência se revela mais puro. Ou seja, na ética e especialmente na estética. E que o melhor método de compreensão deve ser feito através de uma crítica ontológica, de um caminho hermenêutico circular, mas não lógico, ou de sinapses neurológicas, pois estas são apenas mais duas esferas da actividade humana. A arte ainda assim é a esfera privilegiada, pois nesta área, os círculos e as danças mentais e cardíacas, são já consensualmente aceites e evidentes. Temos pois como um dos seus utensílios técnicos, o funcionamento físico e sináptico do cérebro na mente, que é já consciente, temos a ética que nos permite através da liberdade realizar o maior bem, que é já consciente, e temos o ato criador do artista, que procura na sua profundidade superar através da consciência qualquer ética, e assim romper com condicionalismos externos e em voo livre superá-los, tornando a liberdade hermenêuticamente e mais consciente, pois uma não se revela sem a outra. O artista o que mais deseja é a liberdade de expressão, retira-a de um princípio ético. E mesmo que através de processos irracionais ou inconscientes, aquilo que fixa, é a consciência que alcança através da tentativa de um ato livre de qualquer coerção. A acção artística, o acto criador da consciência e a revelação do ato, não se afastam entre si, mas pelo contrário. Pois a obra de arte mais autêntica, seja bela, grotesca ou insólita, é sempre consciência de uma realidade depurada. Será possível o artista revelar algo real sem total liberdade ética e sem consciência? Claro que sim, pois a obra é também o resultado de uma negação daquilo que nos prende ao inconsciente. Negação que refinada ou depurada, se revelará numa tomada de consciência da verdade oculta, antes ofuscada. A criação na ética pode ser algo determinado, assim como na arte, mas a consciência não é uma coisa, não é um mero objecto. Temos entre muitas a realização ética e a estética, mas o que mais importa é termos consciência, pois é ela que nos tem a nós e se revela através das obras que realizamos. Mas há qualquer outro elemento x na constituição da consciência, sendo esta a condição necessária do espaço e do tempo? Sendo ela a base que em nós reside á priori, é também ela a base do próprio mundo, que só pode residir na consciência da qual somos originários. Logo, só pode ser ela mesma, o critério de uma obra de arte e de uma ética universal. Ou seja, o critério de qualquer esfera resultará do próprio processo de evolução da consciência, isto é, um critério só pode andar correlacionado com a consciência, quando esta se revela no mundo. Pois tanto uma obra de arte como uma correcta acção, dá-nos algo mais do que o simples deleite de uma obra ou satisfação de uma boa acção, dá-nos a consciência do nosso existir ontológico e histórico, e a possibilidade de através deste insight, mudar a nossa própria existência pessoal e colectiva. E por isto o moralista desconstrói o poder das normas e o artista o poder do poder. Mas o poder afasta-se da arte o quanto pode. Assim fez Platão em relação á arte. É certo que por vezes a consciência foge-nos, mas contudo, ela está sempre presente, escondida na sua autenticidade, pois ela não é uma coisa que aparece, mas é a própria luz que tudo faz aparecer. É fundamento da própria origem do mundo real e é real enquanto não coisa e enquanto não fenómeno, pois é o real que por si já se impos a si mesmo e ao sujeito. E se todas estas esferas ou linguagens são a casa do ser, a consciência é o solo onde os corpos se desenvolvem, assim como o cérebro. Logo, a consciência não é uma mera coisa ou uma massa cerebral, como não o são a liberdade ou o infinito. Mas ela é a própria alma, que na sua perenidade ausenta-se no tempo que é seu e impõe-se no seu próprio espaço. E se é uma matéria ou coisa ou objecto, é apenas enquanto existentencial de uma actividade mundana que através das suas esferas se determina. E se estas esferas são propriedade da consciência, esta porém não tem substancia nelas, pois como sujeito a consciência é neutra. E como tal, quando parcialmente se oferece, já não é ela mesma na sua totalidade, pois ela reflecte-se em pluralismo, nunca em absoluto. E quando a si regressa, distancia-se das suas esferas e dos seus intermediários cérebros. Mas permanece nos nossos corações, nas nossas mentes e atitudes. Sendo o seu cosmopolitismo a sua própria crucificação, quando aparentemente se divide e se apaga para salvar o mundo, despertando nele a sua ausência. É a dor do artista ou do moralista ou do cidadão, quando são por ela utilizados para despertar o mundo. Pois com ela conectados dialecticamente, através da paixão e da dedicação que cada um de nós oferece, seja como poeta, filósofo, cientista ou cozinheiro, as proposições utilizadas perdem o seu sentido para se recuperarem nos actos, pois a consciência da linguagem é manifestamente o modo hermenêutico do encontro da consciência consigo mesma. E por isso nos escapa algo. Daí a necessidade de um sistema ontológico, estruturado através de um método hermenêutico dialéctico. Como projectar a consciência? Temos pois a estrutura da consciência e o seu modo e a estrutura das esferas e os seus modos particulares. Ambas as estruturas formam um sistema que se liga dialecticamente através de um método hermenêutico. E a estrutura ontológica de pré revelação da consciência, determina-se através da praxis, pois está tudo interligado e interconectado por uma rede sistémica subjacente. É o todo que parcialmente visível, subjaz conscientemente á divisão das partes. Daí o fracasso do individualismo moderno que na contemporaneidade resulta numa nova alienação de factos. A questão pode ser ainda: como encontrar esse pirilampo e fixá-lo? Creio que primeiro é preciso purificar a esfera particular, ou seja, para plantar a possibilidade de um projecto qualquer, assim como uma árvore, será necessário retirar do solo das ervas daninhas, para que este se torne fértil. Pois só assim podemos retirar os preconceitos ou os mecanismos de defesa da nossa mente, pois ela é fustigada pelo individuo e alienada pela sociedade. Mas não enquanto realidade em si mesmo, pois esse é o lado esplendoroso e clarificador da consciência, que se revela aqui e ali, neste e naquele ente, pois a dor de qualquer cisão é apenas construção psicológica. A necessidade de um método hermenêutico e dialéctico é para unificar o sujeito particular e o ser geral, para que se revele a verdade da consciência em si. E quando a temos, logo a perdemos, pois não se trata de matéria e forma, mas de interpretação dialéctica de modos próprios de um sistema ontológico da consciência ser. Devemos pois compreender a entidade orgânica livre e espontânea que determinada pela sua própria dialéctica interna, é anterior a qualquer mecânica cerebral, assim como anterior ao próprio modelo das esferas onde através do sujeito a consciência se revela. O sujeito e as esferas são o in e o out criado em liberdade dialéctica pelo movimento da consciência. É o choque do artista com a tela em branco, do moralista com a ausência de valores ou niilismo, do neurocientista com a ausência de qualia no cérebro. É preciso desconstruir as estruturas, os sistemas que já não servem, as próprias instituições que se tornaram inconsistentes e incoerentes. E isso compete não ao político e muito menos ao neurocientista, pois estes são promotores das bases que condicionam a autentica liberdade da consciência, são os detentores da falácia e do paralogismo, ao posicionarem-se na fronteira das esferas como intermediários absolutos da verdade. E esse é o papel da própria consciência. Ela é a origem dos entes e das esferas que dão alimento ao ser. Ela é o inconsciente adormecido, contradiz-se na sua ausência, sendo o que não é e sendo em dialéctica hermenêutica o seu próprio movimento, causa de si mesma. É ela mesma a sua fonte original quando através da determinação do sujeito é procurada por si mesma, pois ela é o sujeito que a procura. A consciência é o próprio espanto filosófico, é a própria aporexia em si mesma. A sua interpretação ou compreensão é tão pura quanto aparente, tão incondicionada quanto determinada e apreendida, mas contudo, ela existe sempre na sua permanente presença. O seu erro e a sua imperfeição é a nossa humanidade, pois ela ainda que distinta não pode estar separada. Ela vira ente que do exterior nos conduz internamente, pois ela é em si o ser de todos os entes. E na nossa consciência, através dos nossos actos e através de obras de arte, sejam as poéticas, as filosóficas, musicais, científicas, cinéfilas ou políticas, ela mesma sempre no pesa em si mesma. Posso sugerir a espontaneidade, como conceito mais próximo da autenticidade de um acto ético ou de uma contemplação estética, quando a consciência vibra, quando sorri e chora, porque se quer a si mesma e em nós, mais consciente. E produz-se a si mesma na sua espontaneidade, porque é um reflexo de si mesma enquanto pensa o seu movimento. E em dialéctica, através do eu ela pensa, sente e determina a sua vontade. E supera-se a si mesma mais através de uma pura imaginação, que de uma razão ou experiencia. O seu in e o seu out é apenas uma projecção do seu próprio imaginário, que deseja determinar-se. A matéria é o cérebro, mas o utensílio que o artista usa, é a imaginação. A mão é a forma, o modo como expressa a consciência através da sua mente, pois a consciência já é, já existe em si mesma, fora e dentro de nós. Em nós dá-se o seu in put e numa esfera o seu out put através de nós. E nesta dialéctica repousa em si mesma, na sua própria essência original. E quando de nós se escapa deixa a angústia e a saudade da sua presença. Se em Heidegger a essência da arte é o por-se-em-obra da verdade do ente, para mim, em qualquer esfera a consciência terá como tarefa a revelação da verdade do ser consciente. Na esfera da arte o ser enquanto estético e na ética o ser enquanto ético. E este acontecimento, é pleno quando a esfera transborda para outras esferas, dando origem a um novo paradigma geral. E este novo paradigma é uma esfera que transborda sempre em plena mudança, jamais se fixa na totalidade, mas vai-se fixando, aqui e ali. E pequenas bolhas rebentam quando através da consciência surge alguma verdade. Um novo ente renasce após a saturação da bolha. Na estética surge uma obra de arte e na ética surge uma boa acção, capaz de mudar o ciclo do mundo. Ambas são libertadoras e dão origem a um novo respirar, pois quando a bolha rebenta, a individualidade respira o ar que lhe era exógeno, vedado pelo próprio limite da sua esfera ou mónada. E a consciência surge em si mesma, recebe o ar da sua própria consciência expandida, infinita e incondicionada. E como se caracteriza a autenticidade de um rebentar? O processo é sempre o mesmo e é sempre diferente, a consciência impõe-se, a bolha rebenta e esvai-se novamente no todo. Rebenta e projecta os seus estilhaços. Surge um determinado movimento artístico, uma nova geração que se cria ou um paradigma que se desfaz. A independência de um estado, uma nova mentalidade, novos costumes, novas tecnologias, etc… E se o método é o hermenêutico dialéctico, que procura através do ser no mundo a consciência que já lá está, então, a consciência tem a sua própria finalidade. Ela está sempre em relação consigo mesma, dispensa qualquer estrutura e surpreende-nos, ao revelar-se ser consciente de si mesma, pois em última instancia ela não nos pertence, nem ao mundo natural, muito menos ao pequeno e subjectivo universo da nossa mente. Mas uma outra questão é como se instala no mundo ou em nós a consciência? Qual o seu brilhar? Qual a sua dignidade? Pode ela cegar? É a consciência que faz o mundo ou o mundo que nos faz conscientes? Se a consciência se instala em nós, logo, ela instala-se no mundo. O mundo consciencializa e a consciência mundaniza. Logo, ela é sagradamente profana. E imensurável, pesa pelas emoções que produz em nós, mas apenas vibra quando conectada. Nem sempre é harmoniosa. Faz faísca. Arrebata-nos e deleita-nos para o bem e para o mal. Abre-nos e fecha-nos. Nada nela é matéria nem de matéria alguma provém. Mas quando se fixa, impõe-se… para uns como graça ou como bênção, para outros como obra da natureza ou como determinação do sujeito, mas não creio, que seja proveniente de uma mera estrutura mecânica. Repousa e repousa-nos. Liberta-se e liberta-nos. Faz-nos mover. Agride-nos e impele-nos ao movimento e à mudança. Mas agimos porque ela nos faz agir. E contempla-nos ela mesma, a partir do seu fixar numa obra de arte ou numa teoria ética. Faz-nos deliberar, mas também chorar e deleitar. Ou seja, da consciência tudo provém: as ideias e os conceitos assim como a raiva a felicidade e o medo. Ela produz o combate essencial à própria vida. Eu e tu como seres esféricos por entre esferas que se relacionam em luta e em harmonia por entre outras esferas maiores. Todos como entes de uma grande esfera, que abarca o próprio universo e se movimenta por outras esferas e mais esferas infinitamente conscientes. A consciência é íntima e é pública, está no artista e na sua obra, no moralista e em todas as relações, mas apenas se existir conexão. Mas esta verdade não se revela como em Heidegger, pois aqui a desocultação é a revelação da consciência, que enquanto ser, possui o ente que se determina pelo ser consciente, ela mesma, em diversos entes esféricos conceptuais, diversas áreas do nosso devir. É preciso entender que a forma como exponho aqui a consciência e a sua verdade, em nada se relaciona com a concordância do seu conhecimento a um objecto em concreto. A verdade de que falo é a da consciência em si mesmo, como metafísica que se desdobra num pluralismo esférico. E assim como a consciência, que se apoia a si mesma, também a verdade é condição necessária para o evento da revelação da consciência. Temos pois consciência e liberdade e temos consciência e a sua verdade. Pois a consciência manifesta-se em ambas. Na liberdade ela determina-se e na verdade ela procura-se a si mesma. E no aqui e agora, ela revela-se em nós e esconde-se de si própria, para nossa preservação, pois na sua pura plenitude, caso se revela-se totalmente nós não a perceberíamos nem conseguiríamos apreender a sua perfeição, que em nós se revelaria fatal, devido á nossa fraca estrutura cerebral. Nunca temos contudo da consciência a certeza do que ela transporta. Mas na arte, quando a inspiração se impõe, eis a consciência. E do mesmo modo na ética quando uma boa acção se impõe, eis a consciência. E se a origem de algo é a proveniência da essência, sendo esta a consciência que tudo abarca, a verdade é de onde deriva em dialéctica o ser da consciência. E neste dualismo hermenêutico entre o meu ser consciente particular e o ser consciente em geral, é a consciência que contém a realidade e o existencial, que metafísico, ao conectar-se com o meu sujeito transcendental, dá início a um processo de desenvolvimento psicológico, onde a consciência é já uma centelha, um grão de areia, a minha mente, a minha estrutura cerebral e os meus pensamentos, sentimentos e comportamentos por ela determinados. Logo, o ser psicológico é mais ilusão do que propriamente pura consciência. E é neste combate dual que o artista se instaura à procura de algum repouso. E quando repousa, em repouso procura uma nova luta, insatisfeito, pois a consciência não deixa descansar os guerreiros, nem os moralistas. A consciência não se revelando totalmente, exige de nós, uma cada vez maior, aproximação dela mesma. E é neste limbo que tudo acontece historicamente, porque essencialmente não existe espaço nem tempo para a consciência habitar. E por isso, em cada esfera, com a sua linguagem ou expressão, habita o ser transcendental, que procura a sua origem, a sua verdade, através da unidade que só a consciência contém. E se as esferas lutam entre si dialecticamente, a ética com a estética e esta com a ciência e esta com a política e esta com a justiça, o artista ou o acto criador, está sempre à frente do seu tempo geracional, pois a sua intuição abarca o todo e a sua síntese vai sempre mais longe e mais fundo na sua visão. Contudo, nunca eternamente original, a realidade escapa-nos, devido à ilusão que os limites da nossa estrutura cerebral e os seus processos nos impõem. A realidade absoluta, se acontece, só pode vir de fora. Daí a necessidade de superarmos os limites da razão crítica, pois esta só por si, impossibilita um conhecimento profundo do ponto de vista da consciência. Pois ela própria inspira-se em nós. E se em Heidegger: “ O carácter-de-obra da obra consiste no ser criada pelo artista” (p. 46). Aqui, a característica-da-consciência da consciência, consiste em ser por nós holística-mente revelada. O ser ontológico da consciência manifesta assim a sua existência neste processo dialéctico de interpretação e compreensão da qualquer acção criativa. E por isso os fisicalistas que a procuram através da actividade do cérebro, apenas encontram não a sua origem, mas a sua finitude, que contudo não tem término, pois só existe infinita consciência. Para encontrarmos a consciência, o que temos que fazer é precisamente o inverso, afastarmo-nos da estrutura biológica ou cerebral, pois julgamos que podemos pensar a consciência independentemente, mas não, pois nós é que nadamos na consciência como peixes na água. E como tal apenas podemos imaginar dar um salto, tal como o peixe que salta da água e acede á realidade. Contudo, o peixe ou morre, ou caso regresse poucos irão acreditar naquilo que ele diz existir, pois para a maioria, os seus conhecimentos serão apenas meras metáforas. E para um bom entendedor, esta última premissa basta… as tintas, os pinceis, a tela e a mão do artista, são os 4 lobos do cérebro. Mas o critério daquilo que é uma obra de arte, por muito que pensemos que está na obra, assim como pensamos que a consciência está no cérebro, sabemos contudo que tal critério vem de fora, pois somos sempre nós que atribuímos o critério às obras. O mesmo acontece com a consciência, que em verdade, decide e impõe-se. Porém, nós é que decidimos estar ou não preparados e abertos para receber a consciência, assim como o amor e a razão. Se nos abrimos a uma compreensão ilimitada de uma dialéctica hermenêutica consciencial, acedemos e somos capturados por aquilo que se nos impõe. Mas se nos fechamos em fisicalismos lógicos e positivismos, jamais compreenderemos a sua finalidade. E em analogia, mesmo quando não desejamos e nos fechámos, alguém nos pode surpreendentemente abrir a porta do coração, pois o amor é a maior obra da criação, porque mesmo sem estrutura, manifesta-se e determina-se em plena consciência. Logo, é também através do amor que nos realizámos em qualquer esfera. E a união do amor com paixão, racionalmente resulta na consciência em acção. Só assim saboreámos a consciência. Podemos caracterizar o modo como funciona esta dialéctica como um deixar emergir da consciência, um modo de a verdade acontecer e passar a ser, através da consciência. E esta verdade, que no seu rasgar se revela parcialmente na consciência que rebenta, já não o é verdade absoluta. E tal como em Heidegger na sua dialéctica entre a terra e o mundo. “ O combate não é um rasgão, como o rasgar de um mero abismo, mas o combate é antes a intimidade da co-pertença recíproca dos combatentes. Este rasgão atrai os combatentes para a proveniência da sua unidade a partir do único fundo. “ (p. 51) Ou seja, sinto que o modo como a verdade se introduz na consciência, é como um combate dialéctico entre o sujeito em determinada forma esférica e o mundo em geral, assim como entre o amor e a razão. Mas penso que a superação desta dialéctica de polos diferentes, só pode ser uma conquista do eu transcendental, quando este se rende à unidade da consciência subjacente. É quando o eu se dissolve em consciência e regressa á terra, que a sua pura razão se alimenta da mais pura realidade, pois ela não é mais que pura consciência. No acto ou acção criadora do sujeito transcendental debruçado e caído naquilo que é mundano, a consciência produzida em determinada esfera, é introduzida no sujeito através do amor da própria terra e da razão do mundo. E neste combate a genialidade aparece e manifesta-se em consciência, no rasgar da forma esférica. A consciência entra e realiza uma obra de arte, assim como uma boa acção. Dá de si, contribui em nós para a sua própria humanidade. É quando nos sentimos nesta imensa casa que nos rodeia, casados e em harmonia com as origens da consciência. E nesses momentos dispensámos a lógica e qualquer validade científica, pois quanto mais a consciência se abre, mais plenamente brilha a certeza, de que ela mais que certeza, é a própria verdade em si mesma. A consciência é pois a super entidade que permanece, tal como a boa vontade de Kant, que brilha por si mesma quando apenas a escuridão a rodeia. E tal como “ A de-cisão, pensada em Ser e Tempo, não é a acção decidida de um sujeito, mas sim a abertura do ser-aí…” (p. 54) aqui esta abertura é o rasgo feito pela própria luta dialéctica da consciência como sujeito, nas suas diversas antinomias. O meu propósito é pois a dissolução das esferas para que o evento da consciência alargada se concretize. Mas não estou a falar de superveniência da mente, pois tal como acontece nas relações complexas do nosso cérebro, o mesmo acontece ontologicamente à consciência fora de nós. Não há pois uma consciência que sai de dentro de nós, mas há um encontro, em que a verdade autêntica que é a origem da consciência vem á luz. E assim, ela própria, anterior ao sujeito é o objecto da nossa experiencia psicológica. E por isso quando experimentamos, mais do que um estado de consciência, experimentamos fazer parte da consciência, pois a luta não está no cérebro mas fora deste. A consciência não é apenas terrestre, sabe-se lá onde ela passa férias com a verdade. Ela não provém do objecto que é o nosso cérebro, pois este é um mero instrumento que se pode tornar o seu obstáculo. Para a sua real concepção não basta as suas qualidades e estruturas formais. A consciência se está no cérebro, contudo não é de lá originária. Mas original é retirá-la e devolve-la ao mundo e superar as relações sinápticas, pela liberdade incondicionada. Mas a grande questão é também o acontecimento da verdade na consciência e o seu critério. Mas para isso temos o modo essencial de ela se dar, numa dialéctica hermenêutica que supera a síntese dos opostos e os contrários, pois estes atraem-se mas nem sempre se relacionam como deviam. Ou seja, o vir a ser nem sempre ocorre se a consciência não está fortemente presente, isto é, se bloqueada a sua conexão essencial que provém da liberdade de escolha do sujeito transcendental. Mas quanto a esta última questão da proveniência da verdade, para isso teríamos que sondar o insondável. E depurar o seu brilho até à mais profunda escuridão, que tanto é o nada como a junção de todas as cores, que igualmente resulta em negro e na ausência de clarificação. Logo, aquilo que temos é uma ambígua contingência, um ritual aparentemente obscuro, mas que reluz em verdade, através da consciência que ao desocultar-se esconde-se de si mesma. E por isso, é na esfera ou no domínio da arte que a consciência melhor convive com a verdade, devido ao acto criador e poético que é intrínseco desta esfera, pois a arte com a sua imaginação e irracionalidade, pega na consciência escondida através de um véu obscurecido e como um alquimista converte-a em verdadeira luz. Apenas nos resta a espontaneidade metafísica, pois a consciência tem a sua própria linguagem. E por isso ela projecta-se como num espelho, ao contrário de uma proposição lógica, mas sempre de acordo com as diversas linguagens esféricas. Ela encontra o nosso caminho e a nossa esfera de acção é a realização última da consciência em nós, que nos desperta para uma tarefa. E a verdade que se abre na consciência, não é um produto que resulta do que até então se produziu em determinada esfera, mas pelo contrário, é a novidade que brota porque se movimenta em incondicionada dialéctica. E a consciência é real precisamente porque trás com ela a sua verdade, pois como diz Holderlin: “ Dificilmente o que habita perto da origem abandona o lugar.” (p. 63) Será então a consciência uma consequência de processos neurobiológicos que provêem da estrutura cerebral? Será apenas um estado anterior subjectivo da sensibilidade? E se ela está ai? Não será ela uma estrutura ou a própria base necessária, para a impossibilidade da nossa não existência? Ou seja, ser ela mesma a causa de todo o fenómeno, psicológico ou neurobiológico? Não é a própria consciência que através de processos cerebrais nos conduz a girar sobre a nossa própria mente de encontro a ela mesma? Penso que o que a consciência esconde, é a própria consciência que subjaz a si mesma e que ciente de si se revela, através dos factos que a encobrem. O artista e o moralista fazem precisamente ao contrário, desconstroem sinapses. Visionários e irreverentes, apostam no girar sobre si mesmos, desmontam-se e depuram as suas próprias vivências, cientes de que um ato criador é mais do que técnicas ou meros disparos neuronais. E porque têm que estar separadas as características subjectivas ou qualia da própria consciência? E se a consciência for a base que os suporta? (Searle, 1998) diz: “tire-se o qualia e nada fica.” E eu digo: tire-se a consciência e nada fica para saborear o qualia. Os estados possíveis de consciência são estados expandidos da consciência anterior, que interior a si mesma, é objectivamente e subjectivamente qualitativa. Pois não são os frutos da árvore, que girando sobre si mesmos, contêm a semente que dá origem à estrutura da própria árvore? E de igual modo, não pode a consciência, não sendo epistemologicamente um facto objectivo, ser ontologicamente real pelo fato de sabermos que existe? A consciência desoculta a verdade (tal como os artistas e moralistas) através da consciência. Mas esta subjaz ciente de si mesma. E através dos qualia: cria e revela assim como destrói e esconde a verdade. Mas é em última análise, através da consciência, que a mente dá que pensar ao cérebro e este à mente que pode comprovar. E o qualia sendo um véu, ou a roupagem da própria consciência, deste modo pode nem sequer existir e ser uma pura ilusão da vida… mas contudo, é onde os poetas, os filósofos e os artistas moram. E aqueles que dominam o qualia, dominam o silêncio e a não existência que gera a vida. E ao dominarem o silêncio, abrem o clarão da tímida consciência e não mais se perdem em estados mentais sinápticos.




Bibliografia:

CHANGEUX, Jean-Pierre (1997), Razão e Prazer do cérebro ao artista, Lisboa: Instituto Piaget
HEIDGGER, Martin (1992), A Origem da Obra de Arte, trad.de Maria da C. Costa, Lisboa: edições 70
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