Estética & Teorias da Arte "


Ser Arte

Por Alexandre Costa

Introdução

Este trabalho nasce das minhas aulas de Estética e da leitura de uma série de livros, de atas e recensões sobre Estética, Filosofia da Arte e as suas teorias em constante comunicação. O ser humano é constituído essencialmente pelo pensamento, pelo sentimento, pela acção e pela imaginação. Mas será mesmo assim? Serão nossos todos estes elementos? Se não de onde provêem? Das estruturas sociais? Da história? Se Deus já morreu e se de seguida também o homem que se inventou faleceu, de que génese venho eu? De que à priori provem o som da minha comunicação, a imagem da minha visão, a metáfora do meu pensamento? À necessidade que tenho de me desdobrar por entre as estruturas asfixiantes da sociedade e do mundo, aproprio-me e recebo com agrado a citação de M. Foucault, de que: devemos viver a vida em resistência como sendo uma obra de arte. Acrescentaria eu: em liberdade. O que é talvez o maior paradoxo da vida, pois se queremos ser livres é porque nos sentimos aprisionados e cheios. Mas no entanto, quando livremente vazios, parece que perdemos o sentido da própria existência, ou não. Eis aquele que considero ser a principal aporia, o tema mais pertinente para no final deste trabalho apresentar a minha posição, do artista que solitário procura libertar-se de si mesmo, da sociedade, da história e do mundo da arte, para viver como verdadeiro ser. E para isso, vou apresentar uma síntese das várias teorias da estética e da arte, todas elas retiradas dos livros que apresento na bibliografia. Mas vejamos uma breve síntese como introdução.

G. Graham no início do seu livro apresenta duas conclusões gerais. Diz que é melhor para o filósofo da arte explorar a questão do valor da arte do que tentar chegar a uma definição dela, pois a melhor explicação do valor da arte, encontra-se no esclarecimento dos modos pelos quais ela contribui para o entendimento humano. Arte é vida e é cultura humana, diz ele, mas o que é exactamente e porque devemos valorizá-la? As abordagens dividem-se. As teorias essencialistas da filosofia da arte como base da estética, procuram descobrir a essência ou a natureza da arte, o seu conceito e a sua definição. As teorias sociológicas têm origem no marxismo, descobrem a arte como sendo um fenómeno social e desenvolvem-se com o estruturalismo, o pós estruturalismo, pós modernismo e o desconstrutivismo, numa abordagem da arte como fenómeno histórico e como estrutura social. As teorias normativas da arte procuram explicar o que é valioso na arte, ou seja, o que se pode obter da arte, sendo que a questão de saber o que é a arte, qual a sua definição ou qual a sua função social torna-se secundário. Mas o seu valor será o prazer? Haverá um padrão de gosto? Será o belo em si ou a beleza pela beleza? Será a obra de arte em si mesma? Ou será o seu valor, um jogo da imaginação ou um mero entretenimento? Mas sendo que a arte significa sempre algo, o que será que ela comunica? Será o estímulo emocional uma explicação adequada para o seu valor, ou será mais valiosa a arte como entendimento ou conhecimento? Mas a estética filosófica tradicional tem-se preocupado mais com a definição da arte, com o conceito do que é arte e não tanto com o seu valor. Porém, aquelas teorias da arte mais contemporâneas, como o marxismo, estruturalismo, desconstrutivismo e ou pós-modernismo, pretenderam revolucionar este tema. Podemos também facilmente perceber a incerteza existente sobre se a teoria da arte deve tratar dos estados mentais subjectivos do contemplador, na sua atitude ou experiencia estética, ou dos objectos com existência objectiva, ou seja, as obras de arte em si mesmas. O representacionalismo copia e imita, o expressionismo e romantismo destacam os estados mentais do artista e do público, mas o formalismo foca-se em objectos criados. Morris Weitz diz-nos que todas as teorias falham, pois convergem na tentativa de definir as propriedades definidoras da arte. Mas as teorias da arte funcionalista e institucional, apresentam uma terceira possibilidade e focam-se numa actividade geral da arte, ou seja, na produção, na contemplação e no seu papel social. Então, as 3 primeiras teorias essencialistas tradicionais são acerca do objecto, elas procuram as características intrínsecas, as condições necessárias e suficientes, um denominador comum. As teorias da experiencia estética são acerca do sujeito observador e do seu estado psicológico. Ambas, as essencialistas e as psicológicas, são teorias funcionais que proporcionam um efeito, seja uma emoção, um entendimento ou uma experiencia. E as últimas teorias, a institucional ou a da definição histórica, são teorias processuais, pois a obra respeita determinadas regras. Uma definição descritiva inclui nela tudo o que é arte sem discriminar. Uma definição normativa avaliativa que procura o valor da arte, selecciona aquilo que é boa arte daquilo que é arte mas que é má arte. Vejamos então toda esta dialéctica no decorrer de algumas sínteses que apresento retiradas de vários autores.

Noel Carrol por exemplo, diz-nos que nas tentativas de analisar ou definir a essência da arte em termos de condições necessárias e suficientes, ou através da possibilidade de um denominador comum para todas as obras e para todas as artes, pretende-se apresentar teorias classificatórias da arte, que nos dizem o que é arte e o que não é arte, ao contrário das teorias elogiosas, que tentam determinar apenas as boas obras. Porém, ainda assim, algumas são sempre mais elogiosas e outras mais classificatórias. Estas teorias são as teorias representacionalistas, as teorias da expressão ou expressivistas, as teorias formalistas, e as teorias estéticas da arte da experiencia ou atitude estética de dimensão mais psicológica. Porém as tentativas de analisar o conceito de arte nestes termos de condições necessárias e suficientes sempre falharam. Ele explica que esta filosofia conceptual não se pode comparar a uma ciência social que investiga dados empíricos, pois ela tenta resolver os conceitos conceptualmente. Reflectindo sobre a ideia de arte, tenta primeiro clarificar os conceitos, testando-os intelectualmente, para depois serem devidamente aplicados às obras particulares. Ora, sendo assim, então temos uma contradição evidente, pois deste modo, a essência será sempre uma ideia do que deve ser e não do que empiricamente e realmente uma obra de arte é! Isto só para dizer que à priori, já podemos deduzir que esta possível lei geral racional e universal, irá fracassar quando aplicada à vida artística. Já Nietzsche dizia que unidos e inseparáveis, o pensamento afirma a vida e a vida promove o pensamento. A proposta de que é impossível definir as obras de arte através de definições essenciais, e que estas ao invés devem ser identificadas através de parecenças familiares, chama-se Neowittgensteinismo. Porém, também esta se revelará impraticável. Mas de seguida aparecem novos projectos que tentam analisar o conceito de arte por meio de definições essenciais. A teoria institucional da arte e a definição histórica da arte, onde podemos incluir a teoria da narração histórica do próprio N. Carrol.

Teorias da Arte.

  1. Arte como Representação.

As primeiras teorias da arte que se conhecem na filosofia ocidental foram proposta por Platão e pelo seu discípulo Aristóteles. E para ambos, a imitação era uma condição necessária, pois segundo esta perspectiva, o que os artistas procuram fazer é reproduzir a aparência das coisas, copiá-las. Então, diz-nos N. Carrol que para o representacionalismo a arte é representação e a sua definição diz que X só é uma obra de arte se for uma imitação. E nesta linha, reflectindo sobre a representação pictórica, ela diz que X representa Y se e só se, ou seja, com a condição de X se parecer manifestamente com Y, ou provocar a ilusão de Y nos observadores.

O Neo representacionalismo: N. Carrol, A. Danto e N. Goodman.

N. Carrol nesta sua própria teoria neo representacionalista é um integracionista, pois para ele toda a arte se explica através de vários tipos de representação. Ele diz-nos no seu livro que para o neo-representacionalismo, X só é uma obra de arte se for acerca de alguma coisa. E que por isso, todas as obras de arte requerem interpretação, pois devem conter algum conteúdo semântico. E assim sendo esta abordagem lida muito bem com alguns casos problemáticos da arte moderna, como por exemplo com os readymade, objectos encontrados ou objectos ansiosos, como a fonte de Duchamp, que é um objecto indiscernível mas que possui um significado a ser interpretado, logo, tem a qualidade de ser acerca de algo, que o distingue de um comum e banal urinol. Note-se que o neo-representacionalismo é bastante inclusivo, pois ser acerca de algo pode ser sobre questões metafísicas, políticas, espirituais ou psicológicas, quer seja figurativo ou abstracto, desde que seja sobre algo. E para dar um exemplo do que acontece com estas teorias descritivas de condições necessárias e suficientes, nesta teoria da neo representação, se uma obra for apenas bela em si e nos der prazer apenas ao contemplá-la, não exigindo qualquer interpretação sobre a beleza, então não seria uma obra de arte.

Diz-nos N. Carrol que a representação pictórica, só representa pictoricamente Y se X denotar Y de acordo com um sistema de convenções estabelecidas. Mas ainda nesta teoria, a representação pictórica neo naturalista tem uma formulação mais complexa que diz:

“ Uma configuração visual X representa pictoricamente Y (um objecto, um lugar, uma pessoa, uma acção, um acontecimento…) se e só se (1) X tiver a capacidade de levar um observador comum a reconhecer Y em X pela simples observação, (2) os observadores em causa reconhecerem Y em X pela simples observação, (3) se se pretender que X denote Y e (4) os observadores em causa compreenderem que se pretende que X denote Y.” (N. Carrol, p. 63)

  1. Arte como Expressão.
O Expressionismo simples e Transmissionista de Tolstoy versus a Expressão a Solo.

A ideia central destas teorias é a de que toda a arte exprime emoção. Diz-nos N. Carrol que as duas principais versões desta abordagem são a teoria transmissionista e a teoria a solo. Ele começa por explicar que a palavra expressão significa pressionar do interior par o exterior. Que os artistas começaram a virar-se mais para o interior e para as suas próprias experiencias subjectivas. E que o romantismo valoriza mais o sujeito e as suas experiencias individuais. “ O poeta contempla uma qualquer cena exterior, mas não a descreve por causa do seu valor intrínseco, fá-lo porque ela é um estímulo para examinar as suas próprias reacções emocionais ao que vê.” Nesta teoria, o artista criador inquieto, representa o mundo interno de sentimentos profundos. Na teoria transmissionista de Tolstoy, a expressão é uma forma de comunicação de sentimentos e a obra de arte transfere emoções.

A sua definição diz que “X é uma obra de arte se e só se X for (1) uma deliberada (2) transmissão ao público (3) do mesmo tipo de (4) estado emocional (5) individualizado (6) que o artista experimentou (7) e clarificou (8) por meio de linhas, formas, cores, sons, acções e/ou palavras.” (p. 81)

Esta teoria da transmissão exige que a emoção clarificada seja comunicada ao público. Mas a teoria expressionista a solo, aquela que a mim mais me interessa, abdica desta exigência e permite que algo seja uma obra de arte desde que implique a clarificação de uma emoção, independentemente de se pretender ou não que ela seja transmitida ao público, ou seja, desde que (nesta teoria) o criador possua um estado emocional clarificado. Diz-nos N. Carrol que as teorias expressionistas em geral ainda são mais inclusivas e abrangentes que as anteriores, sendo também bastante normativas, pois explicam porque a arte é importante e tem valor para nós. Pois se a ciência explora o mundo exterior da natureza e do comportamento humano, a arte explora o mundo subjectivo dos sentimentos. E sendo que um outro significado do termo expressão é comunicação, no entanto, os filósofos da arte não estão a pensar na simples comunicação de ideias, pois aqui o que se exprime são certas qualidades humanas como sendo características antropomórficas. Ou seja, para além de uma obra exprimir alegria ou raiva, ela pode exprimir coragem, cobardia, honestidade, etc… E Carrol apresenta uma perspectiva generalizada desta abordagem da expressão que diz o seguinte:

“Um artista só exprime (manifesta, encarna, projecta materializa) X (uma qualquer característica humana) se: (1) o que levou o artista a criar a sua obra de arte foi um sentimento ou uma característica de X (2) o artista incutiu nesta obra de arte X uma qualquer característica e (3) a obra de arte tiver a capacidade de proporcionar ao artista o sentimento ou a experiencia de X quando o artista relê, revê e/ou escuta de novo e, consequentemente, o artista é capaz de transmitir a outros autores, espectadores e/ou ouvintes o mesmo sentimento ou experiencia. (p. 98)

A sinceridade é pois uma condição necessária das obras de arte expressivas, que exemplificam as propriedades que exprimem, com referencia, posse e metáfora, que faz com que e expressão exemplifique metaforicamente. G. Graham diz-nos que o expressionismo é uma visão muito próxima do romantismo, que incarna sentimentos sinceros e afirma que o conteúdo da arte é emoção. Mas que assim ele elimina o valor da imaginação, pois uma emoção imaginada não precisa de ser sentida. É o que acontece com o expressionismo comum e simples de Tolstoy.

O Expressivismo de Collingwood.

Diz G. Graham, que o expressivismo sofisticado de Collingwood evita o psicologismo emocional. Segundo ele, cada ato da imaginação tem na sua base uma impressão ou experiencia sensual, que na sua actividade mental é convertida numa ideia. “ Cada experiencia imaginativa é uma experiencia sensual elevada ao nível imaginativo por um ato de consciência.” (Collingwood: 1938) Para ele a arte é expressão e imaginação.

“É pela construção imaginativa que o artista transforma a emoção vaga e incerta em expressão articulada. O processo de criação artística é, assim, não uma questão de interiorizar o que já existe internamente, tal como propunha o modelo mais simples, mas um processo de descoberta imaginativa. E dado que tudo tem início com a perturbação psíquica do artista, trata-se de um processo de autodescoberta. Nisso, na verdade, reside o seu valor peculiar: o autoconhecimento.” (G. Graham p. 55)

Para Collingwood a arte é pois mais acção do que contemplação. O artista sente, mas o seu peculiar dom é a especial capacidade para imaginar. E se a finalidade da arte é um tipo da autoconhecimento, dos nossos estados emocionais, a arte torna-se um tipo de introspecção, sendo a criação artística consequente e conclusiva acima de tudo para o seu criador, que ao agir imaginativamente sobre a emoção, trás a emoção à consciência. Logo, nesta perspectiva, a obra de arte tem acima de tudo valor para o próprio artista.

Expressionismo versus Expressivismo.

G. Graham explica que uma distinção importante entre a teoria da expressão vulgar de Tolstoy e a sofisticada de Collingwood, é perceber a diferença entre algo ser uma expressão de, e algo ser expressivo de, pois ser uma expressão de emoção, implica que há alguém (o artista) de quem se tem a expressão e que a obra exprime a dor do artista. Mas algo ser expressivo de dor, não implica alguém (artista e/ou público) a possuir essa dor. Ou seja, a arte pode ser expressiva de uma emoção sem ter que ser expressão dessa emoção. E o público não necessita de sentir essa emoção, mas apenas aprecia a sua expressão imaginativa, a um nível superior de consciência. E assim o intelecto ordena e organiza os dados da consciência e as suas relações, sendo cada ato comunicacional uma obra de arte, sendo a emoção uma experiencia sensual consciencializada, apresentação imaginativa da experiencia.

A teoria ideal de Croce e Collingwood.

G. Graham diz que um expressivismo mais trabalhado é a teoria ideal de Croce com Coolingwood. As teorias dos dois são semelhantes e desenvolvem-se paralelamente. Croce por exemplo faz uma distinção entre arte autêntica e arte como ofício. Pois a arte autêntica não é um meio para um determinado fim utilitário, pois procura a expressão adequada para uma emoção e exprime os sentimentos que estão a ser sentidos, no momento em que são sentidos. Porém, na tentativa de encontrar a emoção adequada, não sabemos a emoção antes de a produzir, pois o artista não conhece a emoção à priori, mas apenas quando a cria. E ao descobrir a emoção adequada, temos consciência do que sentimos no momento em que a produzimos. Então, a arte lida com um sentimento específico que o artista particular sente. Sendo a arte como ofício uma mera teoria técnica da arte. Dai que o virtuosismo técnico pode ser necessário, mas não chega. A teoria ideal também concebe a arte como coisa mental que é retida na memória. Mas o verdadeiro objectivo da arte é ser um veículo da ideia na mente do artista, que a impõe na sua imaginação.
  1. Arte como Forma.

Kant e a ideia Estética.

Para Kant conhecer é unificar e a verdadeira beleza é livre, sendo o objecto belo apenas formal, não sensual e não útil. Ele afirma que as imagens da arte dão-nos muito mais do que pensar, pois são mais do que o próprio pensamento. E é daí que surgem as ideias estéticas, sempre com carácter metafórico, pois elas nascem como resposta á necessidade de inventarmos aquilo que não tem referente estético. Ou seja, porque temos a necessidade de encontrar referentes para certos conceitos indeterminados, a arte nasce. Ele diz que a sensibilidade não é necessária, pois a imaginação constrói sozinha. O entendimento propõe explicar as imagens e quais são as suas relações, mas a imagem é sempre mais forte e mais poderosa. É o livre jogo das faculdades que funciona em circuito fechado. É uma imagem que não se deixa explicar. E assim o homem dá-se conta da capacidade da imagem, da imaginação e do entendimento trabalharem juntos. O entendimento é sempre superado pela imaginação, pela imagem, pela forma. Para Kant a imaginação é soberana, é uma autónoma sensação de vida. Mas é experiencia e é mental, pois a existência do objecto em si não interessa. O livre jogo das faculdades dá-nos o conceito do acordo da imaginação e do entendimento, na ausência de determinações objectivas. É o modo transcendental das faculdades do juízo. Ou seja, algo é belo a partir desta estrutura, deste acordo que é apresentado a outro acordo, como no imperativo. Dai que o juízo estético é tão universal como o categórico. Não tem objectividade nem finalidade ou utilidade. É a consciência de que todos partilhamos no senso comum.

Formalismo e Neo formalismo: C. Bell e R. Fry: o grupo de Bloomsbury.

Para N. Carrol, a teoria da forma ou formalismo, é ainda mais inclusiva e abrangente. Pois ela diz que se para que alguma coisa seja considerada uma condição necessária para atingir o estatuto de arte, ela deve ter uma propriedade que toda a obra de arte possui, a forma é o denominador comum, a propriedade que todas as obras de arte partilham. Ou seja, X só é uma obra de arte se possuir uma forma significante. Isto é, X só é uma obra de arte se X for algo concebido, com a principal função de exibir forma significante. A obra tem pois um propósito a servir. É algo cuja intenção principal é exibir uma forma significante que produz um estado mental ou uma emoção estética peculiar no observador. Então, a forma é a única coisa que interessa. Esta teoria é a teoria de Clive Bell. Mas talvez porque aquele estado ou emoção peculiar, da forma significante, seja devido à representação de um conteúdo e às suas propriedades, logo, na tentativa de criar espaço para o conteúdo, surge o neo-formalismo, que diz que ”X é uma obra de arte se e só se (1) X possuir conteúdo (2) possuir forma (3) e a forma e o conteúdo de X estiverem relacionados entre si de maneira adequada e satisfatória. (p.145) Ou seja, os elementos comuns da forma artística são as suas partes e as suas relações. No entanto, sem termos que necessariamente descrever todas as redes de relação entre os elementos das obras, numa concepção mais geral e explicativa, nós seleccionamos aquilo que contribui para a finalidade ou função da obra, que é a forma artística. Daí que o único objecto de apreciação artística é a contemplação da forma da obra de arte, através da tentativa de compreender como é que certas escolhas formais concretizam as próprias finalidades da obra.

O Formalismo contém 5 teses fundamentais: sendo a tese da bifurcação a teoria central, pois diz-nos que em qualquer obra é possível fazer uma distinção entre a forma, que esteticamente é mais relevante, e o conteúdo, que esteticamente é irrelevante ou secundário, pois se o conteúdo trata do quê, do que contém, a forma trata do como, ou seja, de como é apresentado o todo formal e mais significante que contem as partes. A segunda tese do hedonismo estético, explica que a nossa experiencia na relação com a forma, proporciona uma emoção estética fora do comum, pois não é uma sensação de prazer ou alegria, mas é uma emoção peculiar que surge precisamente por si só, diante de determinadas formas. A terceira tese da purificação, significa que à medida que a forma evolui progressivamente, consoante o peso relativo que a forma tem, a nossa tendência é concentrarmo-nos cada vez mais na forma, até que a concentração seja apenas criação de forma. A quarta tese do automatismo estético, pretende dizer que o valor estético de determinada obra de arte, é diferente e autónomo em relação ao seu valor cognitivo ou ético, quer seja moral ou imoral, social ou económico. E a quinta tese da arte pela arte, quer dizer que a arte tem em si própria a sua forma de ser, pois é autónoma na sua pura vontade de criar formas.

Os dois argumentos principais do formalismo, são pois o do denominador comum, que diz que a característica ou condição necessária a todas as obras é a apresentação formal. E o argumento da função, que é precisamente exibir uma forma que basta por si só, pois é suficiente essa pura intenção.

Para Fry, a arte é uma revolução ontológica, pois nós desviamos os objectos da existência comum para os observar na sua essência, que é a sua realidade formal. E porque a atenção á forma é despertada pelo objecto e não pelo sujeito. E a intenção do artista é para que se liberte a forma do objecto. Fry distingue na sua teoria a vida real responsiva, que é a nossa vida do dia-dia, que sujeita a relações de causa e efeito, submete-nos e prende-nos a uma teias de causas e consequências. E a vida imaginativa, que nos permite uma experiencia pura que nos desliga da reacção normal da vida responsiva das consequências. Pois a arte é a entrada que nos liberta daquela vida cheia de responsabilidades morais e sociais. Podemos dizer que os objectos têm uma utilidade, mas que a vida imaginativa liberta-nos do utilitário e das etiquetas que colocamos aos objectos. Dai que é preciso a revelação do mundo tal como ele é, pois a realidade tal como ela é, não é a realidade tal como nós estamos formatados para a ver. Isto é, a coisa em si sem aquela estrutura Kantiana que organiza as coisas, seria ou é pura forma. Então, para Fry, as formas pelas quais se obtém a intensidade desinteressada da contemplação, devem ter 4 características: ordem, diversidade ou variedade, consciência de uma finalidade e unidade. E o artista, ele desperta as nossas emoções através da manipulação do ritmo da linha, da massa ou solidez, do espaço, da luz e da sombra e da cor, que ele considera ser a mais secundaria.

C. Bell, para responder á pergunta: porque somos tão profundamente comovidos por formas de um modo particular? Ele coloca duas hipóteses. A hipótese estética, através da qual temos acesso a aspectos da experiencia que normalmente nos escapam, ou seja, às emoções estéticas e às formas puras. Sendo que esta hipótese estética exige 3 princípios: a ausência de representação, pois a verosimilhança não é o objectivo. A ausência de virtuosismo técnico que apenas nos foca na irrelevância do conteúdo. E por último, o interesse por uma forma sublimemente impressionante. E a segunda hipótese metafisica, porque nós tendemos a olhar para os objectos como meios e não como fins. Estamos sempre a associar as coisas entre si e perdemos as relações das coisas em si mesmas. Sendo que o artista, detém uma apreensão apaixonada da forma, sendo o único capaz de libertar aquelas associações amortalhadas. O artista responde a um problema criando uma forma que vale por si só. E o observador é particularmente emocionado, porque através da obra de arte, ele tem acesso às coisas como fins em si mesmas, sendo esta uma emoção metafísica, pois a arte, ao procurar captar a coisa em si mesma, vai para além daquilo que é percepcionado. E é precisamente por isso que o observador comum, ao estar perante objectos em si mesmos, desligado de qualquer associação ou instrumentalização, tem perante as obras de arte uma reacção de desconforto.

Heidegger.

Heidegger insere-se no formalismo. E na sua teoria, a origem da obra de arte podia ser a arte como origem. E sendo a arte um objecto ou uma coisa, ele diz que devemos pensar os objectos a partir da obra de arte, ou seja, da origem. Então ele tenta explicar a obra de arte para explicar o objecto. Ele pensa o objecto da arte de modo a esclarecer a natureza do objecto, sendo que o objecto como utensílio está ao serviço do homem e visa as necessidades de domínio do homem. A obra de arte é pois uma abertura à realidade, que é a verdade como alêtheia, uma forma anterior de verdade que não está encoberta pelo ente. É ter um aceso ás coisas na sua limpidez original. E aqui a ideia é libertarmo-nos da linguagem utilitária e assim encontrar a verdade aproximando-nos. Pois a obra de arte é uma clareira que deixa que as coisas naturalmente aconteçam. E assim o artista cria uma abertura, um rasgão, para que a realidade aconteça revelando-se. Ele diz que para pensar a arte como algo mais que uma coisa, devemos em primeiro lugar, pensar que a obra de arte é um trabalho daquilo que está a pôr-se em obra, pois a obra de arte, mais que um objecto, é um processo onde as coisas se revelam não encobertas. É o olhar para as obras sem etiqueta, para observar a dinâmica da realidade, pois a obra de arte permite-nos encontrar a verdade como alêtheia. Só depois da angústia de uma existência sem utilidade, nós temos uma nova percepção de nós próprios. Mas diz Heidegger que a própria arte revela-nos o carácter do utensílio. Ou seja, na imagem das botas, nós temos a vida e a essência da camponesa. E o motor que impele a obra de arte para a abertura, deriva de uma tensão e guerra entre a terra e o mundo. Na terra as coisas existem sem porquê, sem interrogação. O mundo é o conjunto da cultura humana e é já determinado pelo homem. A terra é o que está fora do mundo e do homem, aquele elemento que não seremos capazes de captar. A obra é esta luta entre o nosso mundo e a não compreendida terra. Ou seja, tudo o que podemos dizer sobre uma obra vem do mundo, mas há limites onde não podemos penetrar para interpretar. É a terra e o seu caracter único, que tem um sentido que vai alem do que podemos captar. É a ideia de um X enigmático, um X que suspeitamos existir através da arte. Então, as obras de arte esclarecem sobre as coisas das coisas.

  1. A Teoria Estética da Arte.

Filosofia da Arte versus Estética.

Carrol explica-nos que Estética significa percepção sensível ou compreensão pelos sentidos, o que indica um maior interesse relativamente à experiencia do público, aos leitores, ouvintes, observadores ou espectadores. Por isso a experiencia estética diz respeito à percepção ou atitude estética, pois refere-se a um estado mental que é um tipo de reacção peculiar às obras de arte e a outros fenómenos da natureza em geral. Isto para dizer que as propriedades de algum objecto ou fenómeno artístico, como por exemplo a coesão ou a grandiosidade, são propriedades que dependem de uma reacção que está dependente de uma percepção humana, de uma sensibilidade, constituição perceptiva ou cognitiva. O que quer dizer que nós experimentámos as características estéticas que se referem a propriedades que o objecto possui e exibe, mas que o objecto apenas possui e exibe em função da possibilidade de haver quem as experiente. E se as teorias da arte são sobretudo relativas ao domínio de determinados objectos, cuja essência as teorias procuram definir, então a estética é uma teoria mais focada nos modos da experiencia da recepção ou percepção. Daí que a filosofia da arte centra-se no objecto e a estética na recepção do sujeito. Isto para dizer que a filosofia da arte podia definir arte sem referir a experiencia estética. Porém, existe uma abordagem à filosofia da arte, que afirma que qualquer definição da arte deve necessariamente envolver noções de experiencia estética. É a teoria estética da arte que envolve os dois termos, arte e estética, pois diz que a filosofia da arte e a estética não são independentes, pois o estatuto de arte está intimamente ligado á experiencia estética e assim sendo, a arte é um veículo para a experiencia estética.

A Experiencia Estética de M. Beardsley e a Atitude Estética de J. Stolniz.

Diz-nos Carrol que na definição estética da arte, existe uma relação especial na nossa relação com as obras, pois elas proporcionam uma experiencia única, dão origem a um estado peculiar de contemplação. Logo, procuramos as obras de arte a fim de obtermos experiencia estética. E por isso, os artistas ao criarem obras, pretendem proporcionar ao público a fruição da experiencia estética. Daí que a definição estética da arte diz que “ X é uma obra de arte se e só se (1) X tiver sido produzido com a intenção de possuir uma determinada capacidade, nomeadamente (2) a capacidade de proporcionar experiencia estética.” (p.183) Temos aqui a intenção do artista de criar algo para induzir a experiencia estética e temos uma componente funcional, pois a capacidade de proporcionar a experiencia é no fundo uma função atribuída à obra de arte. Podemos fazer uma analogia e perceber que esta experiencia estética é semelhante ao formalismo da forma significante, que provoca emoções estéticas, mas a teoria estética da arte, abdica da abstracção da forma significante e foca-se na experiencia estética. A experiencia estética é marcada pela atenção desinteressada e empática. E á marcada em simultâneo por uma contemplação do objecto e pelo seu valor intrínseco. O desinteresse significa interesse, mas um interesse sem outros fins, ou seja, concentramo-nos desinteressadamente como por exemplo um juiz, que no tribunal toma decisões imparcialmente, isto é, desinteressadamente, pois deve faze-lo sem interesse pessoal e sem outras intenções alheias ao caso em questão. E prestar atenção com empatia, implica que o observador se deve entregar à obra, permitindo assim, que as estruturas e finalidades da obra o guiem, aceitando voluntariamente e conscientemente ser orientado pela obra. E assim, o observador sujeita-se às regras do objecto e consequentemente coloca-se nas mãos do criador do objecto. Então, empaticamente ele vai até onde o criador lhe peça que vá, prestando atenção e contemplando conscientemente os pormenores e as inter-relações.

Noel Carrol apresenta-nos uma definição da experiencia estética, centrada na emoção e ligada à definição estética da arte, que diz que “X é uma obra de arte se e só se X tiver sido criado intencionalmente com a capacidade de fomentar a contemplação e a atenção desinteressada e empática dirigida a X pelo seu valor intrínseco.” (p. 194) Mas as experiencias estéticas também são as experiencias das propriedades estéticas da obra. Contudo estas propriedades estéticas são diferentes daquelas propriedades quantitativas das coisas, que não dependem da psicologia humana e que interessam aos físicos. No entanto, sendo propriedades diferentes, as propriedades estéticas dependem do tipo de propriedades que os físicos estudam, pois uma linha elegante, tem um certo comprimento e espessura. Ou seja, a propriedade da elegância, provém de propriedades básicas por superveniência, isto é, por uma relação de interdependência entre a elegância estética e as propriedades básicas, de tal modo que, se estas últimas fossem diferentes, as estéticas também o seriam. Mas a elegância da linha também está relacionada com o sujeito, com a sensibilidade que apreende a linha. Então, embora dependente da nossa resposta, a percepção cromática dos objectos detecta propriedades objectivas das coisas. Logo, a experiencia estética não é uma pura projecção do sujeito. A experiencia estética é pois uma reacção à arte que implica percepção e observação, mas também detenção e descriminação de propriedades estéticas. Assim como também, a contemplação da relação das formas com o seu próprio propósito, isto é, a apreciação do design da obra.

Carmo D´orey apresenta no seu livro a atitude estética de J. Stolniz, que “é a atenção e contemplação desinteressadas e complacentes de qualquer objecto da consciência apenas em função de si mesmo. “ (p. 49) A percepção estética é explicada em termos de atitude. Os seres humanos não são receptores totalmente passivos, pois uma atitude determinada é um modo de dirigir e controlar a percepção e a nossa consciência do mundo. Uma atitude prepara-nos para reagir aquilo que percepcionamos. A atitude estética não é prática nem cognitiva. A atitude estética isola o objecto, concentra-se nele desinteressadamente e sem preconceitos. Aceita o objecto tal como ele é, numa atitude de complacência e empatia, ou seja, dando ao objecto a oportunidade de se mostrar à nossa atenção estética. E esta atenção estética discrimina e aprecia em profundidade todos os pormenores complexos e subtis da obra. Pois só assim a experiencia estética é contemplação. Sendo que a apreensão estética também é consciência.

Nas aulas de estética com o professor Victor Moura, quanto à definição de que a atitude estética é “uma atenção desinteressada complacente e contemplativa perante um objecto que é experimentado consequentemente apenas por ele próprio.” Stolniz defende um estado mental particular a partir do qual temos uma experiencia estética. E sendo assim, tudo pode ser uma experiencia estética, desde que contemplado com atitude estética. Ele faz uma passagem pelos termos que se utilizam em estética e em teoria da arte, e diz que todos eles têm origem noutras áreas, à excepção de um: o desinteresse, quando nos referimos à experiencia estética. E a origem do termo desinteresse na estética, é retirado da filosofia de Thomas Hobbes que é de um absolutismo político e egoísmo estético. Ma naquela época, alguns pensadores que eram contra aquela posição, tentaram desmontar aquele egoísmo básico. Shaftesbury por exemplo, diz que existe no homem um amor particular que se pode definir como desinteresse, como sendo o bem por si só. Mas o conceito pode também ter nascido no espaço continental, nas disputas éticas entre Jesuítas e Jansenistas, que se focavam no interesse das acções, nas suas consequências e na predestinação. Mas uma vez que não sabemos que estamos predestinados, praticamos o bem por si só, para a salvação. Leibniz por exemplo, fala da existência de um amor particular que se justifica pela dependência que temos ao objecto que amamos. Dai que amar é encontrar a felicidade na felicidade do outro. Ou seja, a felicidade do objecto amado entra na nossa própria felicidade. A nossa felicidade decorre da felicidade do objecto. Temos pois no desinteresse uma origem moral e ética que é estendida a arte. E é daí que surge a atitude estética de J. Stolniz, onde o objectivo é experimentar o objecto em si sem outro interesse qualquer, seja prático, cognitivo, de clarificação ou de julgamento.
É pois uma teoria classificativa e não avaliativa ou normativa.

A atitude é complacente, porque se dá uma oportunidade ao objecto para que ele se torne interessante à percepção. E para isso é preciso insistir na relação. Mas começamos a ser complacentes com a obra através da atenção, de um interesse focado, que acontece através de sintomas fisiológicos, mas também pela análise dos detalhes. Não choramos porque estamos tristes nem estamos tristes porque choramos. A relação é também contemplativa, uma profunda absorção por qualquer objecto que é experimentado conscientemente. E assim a arte liberta-nos daqueles nossos hábitos de ver que possuem o véu de maia. Ou seja, a atenção estética retira-nos o véu e nós olhamos para os objectos que ocupam toda a nossa atenção isolando-os, numa experiencia que é boa em si mesmo. Mas a atitude estética está consciente de que os objectos de arte não estão desligados da vida em geral, pois a experiencia estética tem consequência na nossa vida em geral, porque aquele que exercita a experiencia estética, pode desenvolver uma atitude que por ser mais serena em relação á vida e a si mesmo, é compensatória. E assim Stolniz levanta a questão da relevância estética. Pergunta-se quais são as associações de ideias relevantes e as que são obstáculo para a nossa relação com o objecto. Quanto á questão de se experiencia estética da natureza será mais valiosa que a da arte, para Stolniz a diferença é apenas de grau. Mas diz que a vantagem da arte é que esta está devidamente configurada, isto é, está contida, unificada, não suscita associações simbólicas e psicológicas como acontece com a natureza.

Ele apresenta o elemento da temporalidade nas artes. O grupo das artes do tempo como sendo a música e a literatura, que na sua temporalidade, dividem-se naquelas que apenas exigem uma consciência de sequencialidade, e as que apenas exigem consciência rítmica. E o grupo das artes do espaço, das imagens em geral, das artes plásticas, pintura, cinema, arquitectura, escultura, etc… E aqui nas artes visuais, nós temos uma relação intensa de sacadas visuais, que é quando se faz diferentes miradas consoante as obras. Para ele há sempre uma consciência do tempo da duração do quadro, assim como da época. Mas diz que é preciso insistir na familiaridade das obras entre si, para termos uma carga contemplativa, pois a consciência da unidade da obra só se dá pela familiaridade. Então, toda a experiencia estética dá-se no tempo, numa consciência apurada dos instantes da nossa relação com a obra. E cada instante tem uma dimensão retensiva, onde cada instante remete para o instante anterior, e uma dimensão protensiva do instante posterior, quando antecipamos no tempo. Ou seja, a experiencia estética caracteriza-se também pela atenção a estas dimensões que olham para o passado e para o futuro.

A Distancia Psíquica de E. Bullough como princípio Estético.

No livro de Victor Moura, ele apresenta esta teoria ainda sobre o sujeito observador. E diz que a atitude para com o objecto é uma experiencia estética. E. Billough diz que se conseguirmos adquirir uma determinada distância ideal do objecto, se nos colocarmos nem muito próximos nem muito distantes, podemos tirar dele uma experiencia estética, pois alcançamos a distância psíquica ideal numa relação estética. Se formos muito atraídos e afectados pelo objecto, nós caímos na sub distância, pois envolvemo-nos demasiado. Mas se nos distanciarmos demasiado, caímos na sob distância e assim não nos deixamos afectar quase nada. Dai que os objectos de arte são criados propositadamente para activar essa distância psíquica. E assim sendo, a arte explica-se para resolver esta antinomia da distância, isto é, na procura da máxima diminuição da distância, mas sem o seu desaparecimento. Isto porque os artistas tentam sempre atrair afectivamente e cognitivamente. Mas por isso mesmo, o espectador deve procurar a distância ideal. E este conceito de distância psíquica, explica aquelas dicotomias dos conceitos que explicam a arte, ou seja, todas aquelas séries de pares tipo: arte objectiva versus subjectiva, realista/idealista, sensual/espiritual, típica/individual, etc… pois a distância é despertada pelo objecto de arte. Uma arte impessoal e objectiva por exemplo, coloca o espectador a grande distância, porque não o envolve tanto. E assim, tendemos para a sob distância que consequentemente tem que se tentar superar. Já uma sub distancia de maior envolvimento, acontece com uma arte subjectiva e mais pessoal. Os temas ou obras idealistas e mais conceptuais por exemplo, tendem a uma sub distância, mas os temas ou objectos mais realistas já convocam e colocam o espectador mais na sob distância. O objecto mais sensual tende a criar mais sub distancia, mais proximidade. Já um tema espiritual, colocará o sujeito numa maior sob distância reflexiva. Uma obra típica não individualizada, colocará o observador mais afastado na sob distância. Mas uma vantagem, é que a relação nunca é absolutamente ligada ou desligada, pois pressupõe sempre vários estados de sub ou sob distância. Mas em cada relação, haverá sempre um momento particular, uma distância particular onde nos colocamos idealmente numa relação ideal. A ideia é que quando o individuo tende para a sub distancia, então é preciso algum cuidado, pois é preciso vencer a sub distancia. Podemos dizer que as referencias a funções orgânicas, ao corpo e ao sexo, por exemplo, estão sempre abaixo na sub distancia. E por isso a forma ideal para que o espectador se coloque na posição ideal, é a tal unificação do apresentado, que é o modo de compreensão da apresentação formal no seu todo, isto é, a simetria, a oposição, a proporção, o equilíbrio, a distribuição das partes, etc… pois como existem normas sociais e culturais que estabelecem limites para certos temas, os artistas procuram incomodar com temas quentes e polémicos, que de alguma forma revelam algo que envolve o espectador na sub distancia, mas aqui é preciso superar e encontrar um equilíbrio através da unificação do apresentado, como por exemplo colocar a atenção nas propriedades pictóricas da obra no seu todo. E por último, a distância serve também para explicar a própria actividade artística, que normalmente começa com uma emoção e a tentativa da sua comunicação. Mas a arte surge quando o homem morre e surge o artista, que no ato da sua criação, distancia-se, envolve-se e sofre o distanciamento psíquico, pela intensidade e pelo amortecimento dela.

Inspirado numa experiencia feita por A. Richard sobre um poema onde ele compara a clareira de um bosque com a entrada de uma catedral, E. Bullough apresenta 4 tipos de espectadores: o espectador associativo, que é aquele que está constantemente envolvido em associações. E que por isso não tem uma atenção contemplativa com o objecto, pois está sempre a relaciona-lo, perdendo desse modo qualquer relação causal. O espectador fisiológico, para o qual o objecto promove acima de tudo sensações. Sendo que por este motivo, este espectador está mais próximo do objecto que o espectador anterior. O espectador objectivo, que é aquele que está mais interessado na natureza do objecto do que do objecto em si mesmo. E aquele espectador de caracter ideal, que é o único que se interessa pelo objecto em si mesmo com uma objectividade impessoal intensa, que é simultaneamente pratica e social, pois tem uma vivida experiencia do objecto.

Mas em relação a estas teorias estéticas da arte, Dickie considera que tudo isto é um mito. Que nestas teorias houve uma acumulação indevida de conceitos, como por exemplo a distância psíquica, experiencia, atitude, etc… que faz com que tudo pareça uma caça aos fantasmas, pois a única questão parece que é saber se a pessoa está atenta. Dickie diz-nos que o que considera que acontece realmente, é que porque temos determinados estados de atenção que num tipo de transição tendem a transportar-nos para outros fenómenos, nós temos uma atenção transitiva, assim como temos uma atenção intransitiva, mais concentrada no objecto. Ou seja, para Dickie é só disto que as teorias da experiencia ou atitude estética falam. E por isso, ele chama- lhes as teorias do desinteresse, pois estão erradas no modo como estabelecem os elementos da relevância estética. Ele diz que nestas teorias, há muitos aspectos que não promovem o nosso contacto com o objecto, mas que no entanto, podem ser admissíveis no que toca à contemplação dos objectos. E também considera que há um erro no trato da relação entre a arte e a moralidade, pois estas teorias consideram que nos devemos abstrair de certas mensagens ou normas morais. Mas para Dickie, a própria moralidade pode tornar-se num elemento tão importante na obra como o seu equilíbrio ou outra característica. E assim, deste modo, Dickie é um defensor de um eticismo moderado. Ele diz que Stolniz tinha razão quanto à sua tentativa de desviar a filosofia da ideia do belo, pois antes disso qualquer objecto podia ser estético. Mas diz Dickie que isto podia ter sido alcançado de outro modo, pois bastava atribuir fieldade às obras consideradas feias, mantendo-as como obras.

O Cognitivismo.

E novamente, sendo que a arte pode ser sobre alguma coisa, ela também pode ter o seu valor como fonte de entendimento e conhecimento, pois também podemos aprender e apreender informação com a arte. Diz G. Graham que no cognitivismo estético por exemplo, existe de certo modo a tentativa de conceber a arte como detentora de verdades importantes. Porém deve notar-se que não se trata de verdades demonstrativas, proposicionais e gerais sobre o modo como as coisas são. Trata-se mais de percepção e de profundidade aplicada ao nosso entendimento da experiencia, que traduz o ideal que diz: conhece-te a ti mesmo. Em favor da teoria da arte como entendimento, temos a perspectiva de uma relação de arte com a vida, com a realidade e com o mundo, como sendo um tipo de unidade de forma e conteúdo externa, mas acima de tudo interna. Pois trata-se do meu mundo e da minha realidade, das coisas que eu nele experimento. Não é o mundo natural da ciência, mas o mundo da natureza e da condição humana. E por tudo isto, concordo com o que diz Graham: “…devemos ver o cognitivismo como uma teoria normativa, uma teoria sobre o valor, mais do que sobre a essência da arte. “ (p. 95) Ou seja, mais do que como uma teoria de definição necessária e suficiente que contém um denominador comum universal. Mas o cognitivismo é também uma teoria elogiosa que distingue as boas das más obras, pois “… o que o cognitivismo em arte explica é o sentido em que algumas obras de imaginação criativa são mais profundas do que outras…” (ibid)

  1. Contra a definição de Arte: Wittgeisnteinismo e M. Weitz.

A partir dos anos 40, Wittgeinstein na sua segunda fase, interessou-se pela nossa possibilidade de definir ideias e conceitos. E a este respeito, ele diz que no método tipológico aristotélico, nós procuramos para o conceito de uma espécie, aqueles termos específicos dos géneros mais próximos a essa espécie, ou seja, a diferença específica que define a espécie. Sendo que um aspecto inerente a todas as definições, é que todos os membros de um conceito ou de uma espécie, participam de um elemento comum, isto é, daquilo que todos os elementos do conceito têm em si. Mas neste sentido, Wittgeinstein identifica a existência de conceitos abertos que escapam a uma fixação do elemento comum, como por exemplo o conceito de jogo. E neste sentido, ele chega á conclusão de que nós partilhamos uma forma de vida comum, o que significa que somos influenciados por uma serie de regras que regulam os jogos da linguagem. Consequentemente, ele percebe que há uma forma de vida que regula os nossos jogos de linguagem. Ou seja, que há uma teoria dos significados do uso dos conceitos, que tem um significante precisamente de acordo com o uso. E assim sendo, entre os imensos jogos da linguagem da arte, existe igualmente um jogo da linguagem da arte que identifica o que é a arte do mesmo modo, através do uso que depende de um método que se baseia nas semelhanças, as quais ele define como sendo os ares de família. Que é como quando distinguimos e vemos as diferenças entre pessoas da mesma família. Dai os ares de família de vários objectos da mesma família que têm semelhanças familiares. Ou seja, nós estamos habituados a um paradigma linguístico que nos permite identificar os conceitos, mas de uma forma não rigorosa.

Diz-nos Carrol que a teoria representativa da arte, o neo-representacionalismo, a teoria expressionista e expressivista, a formalista, a neo-formalista e as teoria da experiencia estética, são todas elas tentativas de fornecer uma maneira de analisar o conceito de obra de arte por meio de uma definição, que proponha as condições necessárias e suficientes para que algo seja visto como uma obra de arte. Mas todas fracassaram. Daí que surgiu a posição do Neowittgeinsteinismo com a profunda convicção de que a arte seria necessariamente indefinível. Contra todas aquelas teorias essencialistas, eles dizem que o erro consistia precisamente em tentar definir a arte de forma essencial, na procura de condições necessárias e suficientes, pois para eles, o conceito de arte, assim como muitos dos nossos outros conceitos, deve ser aplicado com base nas semelhanças.

Ele explica que o argumento do conceito aberto formulado por Morris Weitz, tem como fundamento, o facto de que a arte ou a sua prática está sempre aberta a mudanças revolucionárias. E que por isso a arte deve acomodar a permanente possibilidade de mudança, expansão e inovação, para que assim o conceito de arte tenha sempre espaço para os artistas fazerem algo de novo, pois a incompatibilidade daquelas condições necessárias e suficientes colocam sempre limites. E por isso o conceito de arte não pode ser fechado, pois deve ser aberto para ser coerente com aquela constante criatividade artística inovadora. Logo, consequentemente qualquer tentativa de definir a arte falhará necessariamente, até por uma questão de lógica. O que acontece, é que os filósofos propõem uma teoria, que numa determinada altura da história se aplica naquele momento às obras criadas, mas quando os artistas contemporâneos adquirem o conhecimento da teoria, começam a criar obras de arte que confundam essa teoria. Então, as teorias negam o estatuto àquelas novas obras criadas. Mas porém, à medida que a história da arte avança, aquela obra passa a ser aceite e encarada como uma obra-prima. Então a teoria cai por terra e é descartada. Ou seja, as teorias procuram limitar o conceito e os artistas empenham-se em ultrapassar os limites. A conclusão é que o conceito de arte é mais complacente com os artistas do que com os teóricos de arte, precisamente porque a arte é um conceito aberto. Então, como modo de identificação e não de definição da arte, surge o método das semelhanças familiares, que diz que nós identificamos uma obra de arte em termos das suas semelhanças paradigmáticas, pois em certos aspectos ou características, uma obra partilha certas semelhanças com certas obras de um paradigma ou movimento artístico, e certas semelhanças com outros paradigmas, numa acumulação de semelhanças familiares entre um candidato a ser obra de arte e uma família, estilo, movimento ou paradigma já existente, que ainda assim, sendo já existente, tem sempre a capacidade de incluir um novo trabalho vanguardista. O método das semelhanças familiares foi retirado das investigações filosóficas de Wittgeinstein, que numa análise aos vários tipos de jogos, chega à conclusão de que nos jogos, não existem características perceptíveis que representem condições necessárias para se determinar o que é um jogo. Ele diz que nós apenas reparamos se um determinado jogo se parece ou não em aspectos relevantes, com algo que nós já vemos num outro jogo como sendo um paradigma de jogo. Ou seja, para os Neowittgeinsteinianos a arte é como uma família. E a pertença a essa família é decidida em função das várias dimensões possíveis de semelhanças. Ou seja, procuramos entre as novas obras e os nossos múltiplos paradigmas, os traços de semelhança, em várias dimensões que sejam dignos de nota. E em todas estas relações possíveis, á medida que o número de correlações aumenta, a classificação do novo trabalho torna-se inevitável. E assim, esta abordagem oferece-nos uma explicação de como somos capazes de reconhecer a arte, através do método das semelhanças familiares, e apresenta o argumento do conceito aberto para consolidar a sua posição contra aquelas abordagens definidoras. E se a abordagem definidora assenta em propriedades comuns, que supostamente definem essencialmente o fenómeno, a abordagem das semelhanças familiares, depende de traços de afinidade que são descontínuos mas entrelaçados. Então, o argumento do conceito aberto rejeita as definições essenciais de condições necessárias e suficientes. E assim sendo, o método das semelhanças familiares seve para identificarmos e classificarmos objectos como arte. Sendo que deste modo, esta perspectiva recupera e reabilita as anteriores teorias da arte, pois considera que ainda assim, elas são contribuições para a crítica da arte. O problema é ser muito abrangente e inclusiva pois parece que tudo pode ser arte. Mas após uma pausa, entre os anos 50 e 70 de tentar definir a arte, de seguida entre os anos 70 e 80 surgiram gradualmente novas definições que tentam colmatar aquele conceito demasiado aberto.

  1. Teoria Institucional da Arte de G. Dickie.

N. Carrol explica que G. Dickie desenvolveu a sua própria teoria institucional, como sendo a teoria do círculo da arte. Ele explica que para aquelas semelhanças serem verdadeiras semelhanças, tem de haver algum mecanismo subjacente de herança genética, uma génese que sendo a origem das semelhanças, é crucial para o estatuto do candidato a ser obra de arte,, porque mesmo que duas pessoas exibam as mesmas propriedades, nós não dizemos que elas pertencem á mesma família apenas com base em meras semelhanças. Nós só dizemos que pertencem quando estão geneticamente ligadas. Ou seja, o que determina a pertença a uma família, são propriedades subjacentes não manifestas e não as meras semelhanças perceptíveis pela simples observação. Mas contudo, as obras não são produto de genes, a sua origem é social e não biológica, pois elas são geradas num contexto social, onde as actividades do artista e do público se regem por certas regras sociais subjacentes. E essas relações sociais, não são algo que a obra de arte exiba, não são detectáveis pela observação, pois são relações sociais não manifestas e não exibidas. Ele diz que o defensor da teoria institucional chama à prática social em causa, o mundo da arte, uma instituição social com regras e procedimentos. E assim sendo, os candidatos são obras de arte porque respeitam certas regras e procedimentos do mundo da arte. Ou seja, uma obra de arte é originada pela observância das regras e dos procedimentos relevantes. Então surge uma nova definição:

“X é uma obra de arte no sentido classificatório se e só se (1) X for um artefacto (2) sobre o qual alguém age em nome de uma determinada instituição (o mundo da arte) conferindo-lhe o estatuto de candidato à apreciação.” (p.253)
Carrol explica que esta teoria não comete aquele erro do Neowittgeinsteienismo de que tudo é arte, pois ela tem duas condições necessárias e suficientes. Mas no entanto, ela também é abrangente de toda a arte possível, pois permite que qualquer tipo de objecto possa ser uma obra de arte, desde que seja proposto em conformidade com um procedimento adequado. E assim sendo, ela não impede nenhuma experimentação ou inovação artística. O candidato a obra de arte apenas tem de ser um artefacto, mas em sentido bastante lato, pois pode ser uma performance ou um readymade. Mas é importante notar, que uma coisa só é uma obra de arte se tiver o estatuto de candidato á apreciação, estatuto que lhe é conferido pelas pessoas que atuam em nome da instituição do mundo da arte. E assim, deste modo, a concessão do estatuto é um procedimento, pois um artefacto passa a ser uma obra de arte quando alguém que age em nome do mundo da arte, lhe confere o estatuto de candidato a apreciação. E neste sentido, são habitualmente e na maioria dos casos, os próprios artistas que conferem o estatuto de candidato à apreciação, ao criarem os objectos ou artefactos e expondo-os ao mundo, para que as pessoas os possam apreciar, avaliar e compreender. Contudo, em determinadas situações, a pessoa que confere o estatuto, pode não ser quem o criou, pois podem ser outros a desempenhar esse papel ou função. Pode ser um curador, um crítico, um agente do artista, um galerista, etc… a eleger um objecto como sendo um candidato à apreciação e a pô-lo em exposição. É importante notar que o artista não confere o estatuto de obra de arte ao seu artefacto, pois ele apenas confere o estatuto de ser candidato à apreciação, pois o candidato é apresentado e proposto para apreciação, mas isso não garante que seja apreciado pelo público. Mas o que é importante nesta teoria, é que esta interacção acontece num contexto social com regras e papeis sociais subjacentes, numa rede institucional de relações que torna possível a produção e o consumo inter-relacionados de obras de arte. Na maioria das vezes é pois o artista que confere um estatuto ao artefacto em nome do mundo da arte. Mas esta autoridade é como a de um professor de filosofia ou de comunicação e arte, que em função do seu conhecimento dessa mesma área, avalia se uma proposta de tese, é ou não um problema filosófico ou de comunicação e arte, da mesma forma que um cientista ajuíza com base na sua experiencia, se uma proposta de investigação é pertinente. Isto porque no mundo da arte, os artistas têm a base necessária de conhecimentos, de compreensão e de experiencia, tal como os críticos de arte, filósofos de arte, coleccionadores, galeristas, etc… ou seja, os artistas criam e propõem candidatos à apreciação com entendimento, com conhecimento de causa e com a experiencia que lhes dá a autoridade para conferirem estatuto a artefactos, em nome do mundo da arte. Foi o que fez Duchamp com a fonte. Mas um canalizador que apresente a sua colecção de loiça sanitária, não tem autoridade para agir em nome do mundo da arte, pois nada sabe sobre arte e não propõe as suas peças com base num entendimento da teoria e da história da arte. Ou seja, é o entendimento da arte, da sua história e das teorias e práticas vigentes, que podem habilitar uma pessoa a agir em nome do mundo da arte como alguém que confere o estatuto de candidato à apreciação.
G. Dickie, na antologia de Victor Moura, fornece um pequeno dicionário. Uma explicação da arte que é por ele mesmo aceite como sendo claramente circular [não viciosa] pois revela a natureza inflectida da arte, uma natureza cujos elementos se curvam, se pressupõem e suportam uns aos outros: 1) Um artista é uma pessoa que participa, com conhecimento de causa, na produção de uma obra de arte. 2) Uma obra de arte é um artefacto de uma espécie criada para ser apresentada a um publico do mundo da arte. 3) Um público é um conjunto de pessoas que estão preparadas , em certo grau, para compreender um objecto que lhes é apresentado. 4) O mundo da arte é a totalidade dos sistemas do mundo da arte. 5) Um sistema do mundo da arte é um enquadramento para a apresentação, por um artista, de uma obra de arte a um público do mundo da arte.

A teoria institucional não é pois elitista ou anti democrática, pois qualquer pessoa com conhecimentos, experiencia e entendimento apropriado, pode tornar-se um agente do mundo da arte. Mas esta é uma teoria classificatória da arte, não é elogiosa, pois aceita a existência de má arte ao considerar que qualquer coisa ou artefacto possa vir a ser arte. No entanto, ela classifica se é ou não, mas sabe muito bem que difícil é criar arte que seja efectivamente digna de apreço. E sendo que as anteriores filosofias da arte anteriores negligenciam a génese social das obras de arte, este pormenor dá à teoria institucional um maior alcance no que respeita á identificação da arte. Pois se as teorias anteriores focavam-se sobretudo nas propriedades intrínsecas dos objectos, a teoria institucional sublinha uma prática social com regras e papeis atribuídos, que está na base da apresentação dos objectos. Carrol diz-nos que a segunda condição da versão da teoria institucional, tem de dizer que X é criado e/ou apresentado com entendimento artístico por parte de uma agente, mas a um público que esteja preparado para o compreender artisticamente. Mas o problema é que estas propostas, anulam a possibilidade de a arte poder ocorrer fora de uma rede de práticas sociais. E por isso mesmo, a arte não pode exigir uma prática social como condição necessária, pois pode haver casos de artistas solitários, que criam obras únicas fora de qualquer instituição ou fora de qualquer contexto de entendimento que assente em práticas sociais. Para mim é importante saber, se toda a arte terá que surgir necessariamente de uma rede pré existente de relações sociais.

  1. Teoria da Definição Histórica de J. Levinson.

J. Levinson propõe definir a arte historicamente. E N. Carrol explica-nos no seu livro que um dos principais pontos de discórdia, no que diz respeito às teorias institucionais da arte, é a questão de saber se a arte pode ser produzida por um artista solitário, que opere fora de qualquer instituição prática ou fora de qualquer relação social. É que a teoria institucional, rejeita essa possibilidade, pelo facto de os seres humanos serem seres culturais e a arte fazer parte da sua socialização. É a ideia de que a criação artística exige um conhecimento que não é inapto mas socialmente adquirido, pois toda a obra nasce de uma prática social da qual o artista retira os recursos conceptuais e as técnicas artísticas básicas para produzir a obra em causa. Então, dada a natureza humana da nossa natureza social, é uma impossibilidade pratica que qualquer pessoa crie arte fora de um contexto de práticas sociais. Porém o adversário da teoria institucional, argumenta que mesmo que seja uma impossibilidade pratica, é no entanto uma possibilidade lógica. Dai que podemos imaginar sociedades sem arte, com uma cultura tipo a de um homem neolítico solitário, que se lembra de combinar pedras bonitas com o intuito de retirar prazer visual, sem no entanto partilhar essa descoberta com outros. E Carrol explica muito bem que é esta crítica o ponto de partida para a definição histórica da arte de Jerrold Levinson, que vai admitir a possibilidade de alguém poder criar um artefacto, à maneira deste tipo de homem solitário, sem que tivéssemos qualquer dificuldade conceptual, em ver o artefacto como uma obra de arte, mesmo que o homem não possui-se o conceito de obra de arte na sua bagagem cognitiva.

Diz-nos Carrol que segundo o defensor da definição histórica, o que nos permite considerar aquele artefacto como arte, é a intenção do criador ao produzir, mesmo que seja uma simples combinação de pedras, pois se a sua intenção era gerar prazer visual, então já é um bom motivo para criar arte, sendo essa intenção um procedimento já conhecido e artisticamente relevante no decorrer da história da arte. E por isso mesmo, chama-se definição histórica a esta abordagem, porque relaciona os candidatos com a história da arte. Então, uma coisa só é arte, se for feita com a intenção de promover uma das muitas visões da arte que tenha bons precedentes já surgidos e visíveis no decurso da história. É este princípio que dá coerência a este conceito de arte. Dai que todas as obras de arte, compartilham necessariamente algumas visões de arte que têm aquilo que podemos chamar bons precedentes. Então, esta abordagem, centra-se numa propriedade artística que não é manifesta no próprio artefacto que é candidato a ser obra de arte, mas antes, centra-se na intenção artística de submeter os objectos àquelas reconhecidas visões da arte. Mas também aqui, esta propriedade é uma componente genética da obra, pois a génese está na intenção do artista, que ao promover visões da arte já reconhecidas, explica deste modo o motivo pelo qual o objecto é arte. E esta intenção pode estar fora de um contexto social, desde que seja vista como tendo em si bons precedentes históricos. Ou seja, a intenção de que X seja visto como obra de arte, será considerada artística, apesar do desconhecimento do artista em causa, desde que ela se encaixe, numa visão que tenha bons precedentes históricos. O artista não tem de ser membro de qualquer mundo da arte. E assim, esta definição histórica da arte, é uma explicação do conceito de arte que pode aplicar-se a artefactos que estão fora da definição, isto é, que sejam produzidos em contextos onde não existe qualquer conceito de arte, qualquer mundo da arte ou de práticas artísticas. Mas como diz Carrol, a intenção tem de ser séria, a intenção tem de exercer bastante influência ao longo de todo o processo de criação, pois a sua influência deve emanar por toda a obra. É importante notar, que quando o defensor da teoria institucional fala de artefactos criados e acolhidos com entendimento, o que no fundo tem em mente é a compreensão dos modos correctos ou adequados de olhar as obras de arte. E este conhecimento provém da história das artes, para que se possa discutir se as definições da arte são ou não adequadas, e quais as maneiras adequadas de encarar as obras.

Diz ele que há duas formas de alguém poder apresentar um objecto para ser visto como uma obra de arte. Ou de modo indirecto, isto é, através da história da arte, de como a arte já foi vista no passado fazendo parte de uma prática social em curso. Ou directamente, apenas com a intenção de que a obra seja vista, como um modo de alguma forma reconhecida de olhar a arte. E deste segundo modo ninguém tem de conhecer a história da arte, nem sequer de saber que o olhar em causa é uma visão da arte com bons precedentes históricos. E assim o artista já não tem que ser membro de uma prática social vigente, pois tem a intenção directa de que a obra seja vista como uma obra de arte, apesar de nada saber sobre a tradição da arte. A definição histórica tem duas condições necessárias.

Ela diz que “X é uma obra de arte se e só se X for um objecto acerca do qual é verdade que alguma ou algumas pessoas (1) que têm direito à propriedade de X (2) tiverem a intenção efectiva de que X seja visto como obra de arte – isto é, que seja visto da mesma forma que outros objectos já abrangidos pelo conceito de obra de arte são normalmente encarados.” (p.269)

E a crítica mais evidente a esta condição de propriedade, é que ela exige que o artista tenha direito de propriedade sobre a obra de arte, mas os grafites por exemplo, não possuem esse direito. Logo, não é uma condição necessária. E quanto à condição necessária da intenção subjacente do criador, a intenção de oferecer ao objecto uma qualquer visão reconhecida da arte, o critico nega que estas intenções sejam sempre necessárias, pois independentemente das intenções do artista, um objecto pode ser utilizado para servir uma função artística historicamente reconhecida. E assim sendo, temos uma intenção não necessária versus uma função, sendo aquela afirmação central da intenção controversa. E neste caso o ónus da prova está do lado do defensor desta definição histórica.

  1. Teoria da Narração Histórica (contra a definição) de Noel Carrol.

O método que se segue é a narração histórica do próprio N. Carrol, que não passa nem por nenhuma definição, nem pelas semelhanças familiares do Neowittgeinsteinismo. Diz ele que já sabemos que todas as teorias tentam responder ao conceito de arte com a aplicação de uma definição essencial, pois procuram essências, as condições necessárias e suficientes para o estatuto de arte. E assim identificamos os candidatos integrando-os numa definição. Ou seja, a arte é um conceito com condições necessárias e suficientes que é aplicado a casos particulares. Mas como vimos, para os neowittgeinsteinistas o conceito de arte é aberto e não deve ser entendido segundo o modelo da definição com condições necessárias e suficientes, mas devemos aplicar o conceito de arte através do método das semelhanças familiares. Mas diz-nos Noel Carrol, que quando existe uma dificuldade evidente, ou um fosso, entre uma obra candidata que seja vanguardista e um corpo de obras já existentes, que possuem uma tradição de uma forma de criar e pensar, para transpor esta dificuldade, a forma habitual é produzir um certo tipo de narrativa histórica, que ofereça uma sequencia de actividades, de pensamento e de criação, para assim se colmatar aquela distancia. Ou seja, quando há dúvidas, aquele que propõe o candidato, normalmente contra argumenta contando uma história que liga a obra em causa a praticas e contextos de criação artística precedentes, para que a obra possa ser vista como o resultado inteligível de modos de pensar e criar, que sejam já vistos na generalidade como modos artísticos. E o que diz Carrol é que isto implica contar um certo tipo de história sobre o trabalho em questão. Uma narrativa de como a obra foi produzida. Uma narrativa como sendo uma resposta inteligível que se relacione a uma situação histórica da arte, acerca da qual, já existe um consenso relativamente ao seu estatuto de arte. Ou seja, na narrativa, é importante salientar o contexto histórico em que a obra surgiu. E se possível, contar uma narrativa histórica que torne inteligível o aparecimento da obra como resultado de uma decisão racional, que pertence às práticas do mundo da arte, para assim estabelecer o estatuto da obra. E a novidade é que esta resposta não é uma definição, mas uma explicação. Pois não produzimos uma definição para aplicar ao caso em questão, mas em vez disso, procuramos explicar porque o candidato é uma obra de arte, através de uma narrativa histórica, que se for rigorosa e razoável, bastará para decidir se o candidato é uma obra de arte. E para isso, apontamos para as precedentes práticas e propósitos do mundo da arte, incluindo as razões por detrás das escolhas do artista. Clarificamos um candidato como obra de arte situando-o numa tradição, e se possível, demonstramos que a obra de arte é o prolongamento de uma reconhecida tradição artística. E uma das vantagens desta abordagem, é ela ser sensível aquela tendência que a arte tem, para evoluir por caminhos frequentemente imprevisíveis, uma vez que a narrativa é ela própria uma ferramenta para tornar a mudança inteligível. E assim, esta teoria procura lidar com os aspectos evolutivos da arte, tratando-os como se fossem uma conversa, uma comunicação. Porém, o problema da arte vanguardista, é que alguns dos observadores interlocutores da obra e do artista, por vezes, para além da originalidade da obra, não conseguem captar a sua relevância. Então, dá-se uma falha de comunicação. Mas neste caso, considera Carrol que a solução é reconstruir a conversa, para que a importância da contribuição do artista, seja então posta em evidência, para que os elementos antes ignorados sejam percebidos, e assim as intenções do artista sejam explícitas e inteligíveis. E nesta abordagem comunicacional de narrativa histórica, as correspondências estabelecidas com outras tradições artísticas, devem mostrar, fazer parte do desenvolvimento narrativo, como um processo de causa e efeito, de influências, de decisão e acção, etc… e assim, as obras vanguardistas contemporâneas, classificam-se em virtude dos seus antepassados, sendo a descendência explicável por meio de uma narrativa genológica. Pois a pertença à categoria da arte como pertença a uma espécie, também parece ser uma questão de linhagem. E assim, a forma de identificar artefactos como obras de arte, é explicar a sua genealogia através de uma narrativa histórica e não de uma definição. E esta narrativa identificadora é pois uma narrativa histórica que se empenha em ser exacta, pois tem um princípio, um meio e um fim. Sendo que o fim da história, acaba por ser uma descrição da produção ou a própria apresentação do candidato ao estatuto de arte. Sendo que o inicio da história, implica sempre algum contexto artístico e histórico como base. E o meio da narrativa, liga o começo ao fim e estabelece uma linguagem entre ambos. E assim evita-se a circularidade da teoria institucional, pois a circularidade é um defeito das definições e não das narrativas, sendo que estas últimas não invocam sequer o conceito de arte. Para além de que este método, também inclui o elemento da pratica da arte e da intenção artística, de promover visões de arte, neste caso sem utilizar uma definição histórica, mas uma narrativa histórica.

Mas eis que também aqui, o problema maior é como incluir o conceito do artista solitário, que socialmente não integrado, não viva no mundo da arte, nem tenha qualquer intenção de prática social. O argumento de Carrol é que ainda assim, uma narrativa identificadora oferece sempre uma condição não necessária mas pelo menos suficiente. E que se a obra de um artista verdadeiramente solitário, é arte, então pode haver motivos excepcionais para lhe conferir esse título.
  1. Uma outra classificação Filosófica das correntes Estéticas.

Terminamos com o rumo actual das teorias, mas podemos fazer uma outra síntese do livro de D. Huisman, que nos diz que apesar do carácter redutor das classificações filosóficas, podemos distinguir 4 correntes importantes: a positivista, a idealista, a crítica e a libertária. Mas que aquela que resume todas as clássicas anteriores a estas 4, e que anterior a estas 4 já as anunciava a todas, é a estética de Nietzsche. Aquele que é um dos meus pensadores preferidos. Nietzsche acaba com a arte vazia de vontade, como ópio ou como evasão e faz uma verdadeira revolução cultural. Abre uma múltipla perspectiva de intensidades e de desejos. “ já não é a teoria que pensa a arte, mas a arte que engloba a teoria” (p.52).

D. Huisman diz-nos que as estéticas positivas utilizam métodos tão rigorosos quanto os das ciências, com critérios precisos de esclarecimento e linguagem discursiva não intuitiva. Como uma botânica aplicada às obras de arte. Uma estética experimental que imita os físico-químicos, que analisam um corpo para o reduzirem aos seus elementos simples. E que neste contexto nascem os estruturalismos e os sistemas linguísticos estéticos como uma ciência da expressão. E uma certa sociologia mecanicista que diz que as obras de arte, condicionadas pelas infra estruturas económicas, são meros reflexos das super estruturas ideológicas. Mas que estas estéticas também falam em análises semânticas e em historicidade.

E quanto às estéticas idealistas, Huisman diz-nos que estas afirmam uma maior subjectividade e tornam-se mais filosóficas. Que procuram compreender os fenómenos da criação, da contemplação e da interpretação. E que são mais intuitivas e reflexivas, pois procuram os significados das obras, abdicando de grelhas de descodificação. Ele refere Ruskin, que disse que a arte é o princípio de uma vida espiritual ameaçada. E que por isso nunca deixou de denunciar e de combater a organização daquela sociedade industrializada. Refere Bergson, diz que toda a sua obra é uma vontade de conhecer esteticamente o mundo. E que tal como Nietzsche, é um filosofo artista por excelência, pois também ele estetizou a filosofia. Refere também que para Etienne Souriau, a arte é o grau mais elevado do saber filosófico, pois só ela exprime os informuláveis. A arte seria a dialéctica da promoção anafórica, ou seja, do processo ordenado de uma marcha progressiva em direcção à plena existência e presença do ser. Huisman refere que a fenomenologia renovou a estética filosófica e que M. Ponty na sua ontologia, diz que ao ligar a coisa ao ser, o artista torna visível a unidade primordial do corpo e do mundo. Mas Huisman termina a dizer que a história confronta-se com esta confusão do sentido do discurso, com o primado das estruturas, com a anunciada morte da arte e do homem. Diz que estas estéticas conservam a ambiguidade da arte, mas encerram-na nas essências e leis intemporais.

Quanto às estéticas críticas ele começa por dizer, que tal como o individuo, também a arte está ameaçada a desaparecer. Não por se ter relacionado com a vida, mas devido ao excesso de racionalidade do iluminismo e ao seu domínio total. O totalitarismo industrial instalou-se e a arte é mercantilizada e reduzida por todos os meios. Então, a estética crítica quer de alguma forma salvar a negação da arte. Ele refere que para W. Benjamin, a aura da obra está destruída pelo valor de troca do mercado da arte e pela sua reprodução massificada dos originais, que por uma lado, quebra os privilégios de certas classes, mas por outro, favorece a mera mercantilização das obras. Diz Huisman que esta ambivalência produz uma contradição na estética critica, pois ela preocupa-se em conservar os valores do individualismo, sendo que ao mesmo tempo quer denunciar o caracter repressivo das ideologias dominantes e dos seus falsos discursos. Já T. Adorno, é o mais resistente de todos os teóricos críticos. O seu próprio estilo de escrita rebelde, não sistemática e de difícil acesso, revela em si mesmo a sua preocupação em preservar o individuo e a obra de arte enquanto individualidade e originalidade irredutível, contra os totalitarismos burocráticos e mercantis. Pois para ele a autentica arte pós estruturalista ou pós moderna, desloca as totalidades fechadas, dos sistemas ou estruturas ideológicas e dos seus núcleos. Para Adorno a totalidade não é o preenchimento do espirito mas a morte do individuo, da singularidade e da subjectividade. A verdade do paraíso da sociedade de consumo e da indústria cultural, está coberta pelo verniz dos discursos sobre a arte, que a reduzem a uma mera aparência ou ilusão. Esta dialéctica negativa de Adorno tenta destruir o falso consenso da totalidade, mas permite que a realidade da arte testemunhe que um outro possível existe, pois ainda que sendo exigente, negativa e sem compromisso, ele permite que as noções de grande obra e de autenticidade conservem o seu valor, que é ameaçado por todos os lados. É interessante que quando Huisman refere que Adorno permite honrar a arte com a imensa carga do qualquer Outro no mundo do Mesmo, deve estar a referir-se a Foucault e aos seus estudos da exclusão do Outro pelas acções da estrutura do Mesmo. E quanto a H. Marcuse, também ele um adepto da teoria critica e membro da escola de Francoforte onde conviveram todos estes filósofos, Huisman diz-nos que as suas preocupações centrais são as de uma civilização não repressiva, na qual a supremacia seria a beleza e não a racionalidade. E onde a pulsão da vida e o desejo, libertos da lei do lucro, sublimaria a sexualidade através de livres criações. E refere que Marcuse sublinha a importância e necessidade de uma mutação estrutural na percepção e na acção. E que numa crítica à estética Marxista, Marcuse afirma que a arte é a ultima transcendência para todos estes problemas. Diz Huisman que todas estas estéticas críticas de Francoforte, deixam na arte contemporânea uma impressão de inquietude, negativismo, mas também de um hermetismo. W. Benjamin por exemplo, afirmou que é devido aos que estão sem esperança, que a esperança nos é dada.

Quanto às estéticas libertárias que se seguem, diz-nos Huisman que quanto mais as estéticas criticas negativas se conservarem e tentarem manter as dicotomias sujeito/objecto e ideal/real, etc… tanto mais as estéticas libertárias serão afirmativas e subjectivas, libertando o desejo que abre a dança dos possíveis infinitos na imanência das estéticas da criatividade. Huisman refere que M. Dufrenne introduz o conceito de força e de percepção selvagem. E que o homem em contacto com estas energias, promove uma estética afirmativa do desejo e do imaginário em liberdade. Mas que Dufrenne também introduz natureza, inspiração, espontaneidade, o prazer da criatividade e a instituição artística. Ele diz que é a arte que estimula a vida e introduz nela a felicidade, a fantasia e a loucura. Mas que estas estéticas são também a contestação total da arte instituída, pois surgem os happening e uma série de movimentos que tentam deslocar o local espacial e teórico por onde a arte se costuma manifestar e representar. As estéticas deslocalizam-se, iluminam-se aqui e ali em núcleos de criatividade, deslocam-se perspectivas etc… trata-se mais de matrizes de criatividade do que de teorias da arte ou ciências das formas, saberes positivos ou sistemas de classificação. Diz Huisman que se trata mais da expansão do conceito arte do que da sua definição. É a deslocação da suposta verdade da tradição teórica que perpetua o poder e os falsos discursos. Diz Huisman e muito bem que reencontrámos Nietzsche, para quem a verdade é uma ficção fabricada pela linguagem, e as ciências exactas engenhosas premissas bem-feitas. Ele diz que a partir daqui a actividade teórica é actividade artística, pois pensar é um género de arte. E por fim, Huisman cita Gilles Delleuze e Féli Guattari, que dizem: é isto o estilo, ou antes, a ausência de estilo, a assintaxia, a agramaticalidade, momento em que a linguagem deixa de se definir pelo que ela diz ou significa, mas antes pelo que a faz correr, fluir e eclodir, ou seja, o desejo. A arte é pois mais um processo e não um fim, uma produção e não uma expressão. A própria hermenêutica torna-se caduca e se quisermos também a própria interpretação de artefactos. O sentido não tem mais o tempo e este não tem mais sentido. Huisman termina assim: é inútil prever a estética do futuro, pois cada uma representa uma tendência e uma possibilidade da época em aberto. E deixa algumas questões pertinentes: se a estética se adorna cada vez mais com a ciência, qual virá a ser o estatuto e a função da ciência? Se a estética se refugia no idealismo ou na posição critica, a que crueldade pretende ela escapar? E se como libertária, ela se estilhaça em mil direcções e se deseja sem limites, como será a arte na rua e a beleza e fantasia no dia-a-dia da vida? Mas se a estética fluir por todas estas correntes e outras, não será para perpetuar o indefinido jogo do mundo e assim ser ainda mais fiel ao seu próprio objectivo que é a arte?

  1. A criação.

Acerca deste tema, Huisman diz o seguinte: toda a criação é, antes de mais, procriação. E de seguida cita H. Delacroix:

Para ele, “o parentesco do êxtase religioso e do êxtase artístico deve-se á dosagem comum do sentimento de estar no coração do ser, de ser tudo e á evidência de não ser nada, ao mesmo tempo horror do sublime e calma da serenidade. A alegria é euforia, mas também é regozijo: possessão e vazio, plenitude e consciência de uma carência, totalidade e vacuidade, a alegria ri-se dos paradoxos que contém.” (p.89)

De seguida Huisman cita as características gerais ou factores universais do ato criativo de H. Delacroix, que passo a explicar numa síntese: Diz ele que estas características são a necessidade de ser original e semelhante a si próprio, ao pôr em dúvida a visão do real numa espontaneidade que revolucionária, observa a novidade que ninguém vê, numa produtividade qualitativamente fecunda. Mas também o estar interessado no que se faz, utilizando o poder criativo da imaginação que transforma o real, ordenando as experiencias, alargando deste modo o conteúdo da consciência, com uma atitude que repentina, em simultâneo se relaciona com uma cogitação inconsciente ou semi consciente e uma atitude reflexiva e consciente. (p.91)

  1. A minha posição Teórica como Pensador e a minha posição Pratica como Artista.

Quero desde já afirmar que incorporo a posição de pensador anarquista artístico psicoterapêutico continental. Mas vou explicar-me melhor. Pensador pois considero ser um conceito bastante mais amplo e profundo que o conceito de filósofo. Como pensador aprecio ultrapassar os limites do próprio pensamento. Isto porque creio que o verdadeiro pensamento acontece precisamente quando ele próprio se esbarra em si mesmo. Será pois evidente o facto de eu secundarizar o papel da lógica e da filosofia severamente analítica, assim como a ideia de filosofia como sistema científico. Mas esta não é bem lá no fundo uma posição radical, pois eu próprio luto constantemente para acalmar os meus processos de análise constante. Isto é, não optando por esta via, tenho a consciência de que sou bastante racional e perfeccionista, mas também já conheço os vícios e os limites da razão. Uso-a apenas quando necessário, mas não adormeço, não vivo nem me alimento dela, pois prefiro acordar num outro movimento. E artístico precisamente porque considero que aqueles assuntos da filosofia que dizem respeito, quer ao conhecimento quer á realidade, quer aos assuntos éticos da vida, quer aos assuntos do homem e da sociedade, ou mesmo políticos, são assuntos que já não se resolvem apenas dentro da sua própria instância, sem que uma visão estética se adiante e se manifeste. Mas isto não é a minha posição sobre o que é a arte, pois a arte é precisamente o único mundo á parte. Mas posso esclarecer melhor. É pois uma qualquer relação da arte com o meu anarquismo que por superveniência se pode relacionar com a arte. Mas note-se, tal como o ato criativo, que livre também reflecte conscientemente, um anarquista também crê na ordem das coisas, a sua visão não é de ausência de ordem. O desejo do caos e da desordem não é anarquia mas anomia, sendo que o anarquista, apenas considera que o sistema vigente e as suas estruturas não têm legitimidade para exercerem o poder que exercem sobre as pessoas. E assim este meu anarquismo não é o do capitalista selvagem, muito pelo contrário, é social, tendo sempre em conta o bem individual e o bem comum. A liberdade que encontro nesta posição crítica é semelhante aquela que encontro na arte. Porém, a arte pode ser uma consequência prática onde o homem artista se refugia e se tenta encontrar. E aqui já me posso encaixar um pouco naquelas teorias histórico sociológicas da teoria critica. Mas não em absoluto. Pois as libertárias do conceito aberto predominam em mim. E estas só podem ser vividas na arte, por enquanto. Pensador anarquista artístico psicoterapeuta porque a arte para mim liga-se sempre de algum modo á nossa psique. E o próprio desdobramento do artista no seu acto criativo é uma forma de auto desenvolvimento e crescimento pessoal, para além de lidar com aquelas forças sobrenaturais. E aqui relaciona-se a arte com o inominável, o indefinível. Logo, mesmo que considerando ser as teorias definidoras atraentes e úteis, são também secundárias e inúteis para o artista. Note-se que eu apenas tento estruturar este ensaio na medida do necessário, pois tento imprimir nele um rosto mais espontâneo e livre. E agora de encontro às teorias e correntes que analisamos, queria agora explicar a minha posição continental. Mas não antes sem deixar de expressar o contentamento que estou neste momento a sentir ao escrever este trabalho. Só queria poder libertar-me um pouco mais e deixar vir ao de cima o ser mais poético que existe em mim. Porém, algo me diz para me manter disciplinado e estruturado neste momento. Mas continental teria que ser evidentemente. Mas para explicar melhor dizer que através do estruturalismo linguístico de Sausure, deu-se aquilo a que se costuma chamar a linguistic turn, o momento em que a dimensão da linguagem floresceu em muitas áreas mas especialmente na filosofia, sendo a época em que a filosofia da linguagem emergiu no seu máximo vigor. E nesse momento deu-se uma grande divisão de posições, nomeadamente a posição anglo-saxónica e a continental. Os primeiros consideram que a linguagem deve ser uma correspondência exacta da realidade do mundo exterior. Os continentais consideram que essa realidade é criada pela linguagem. Dai que os primeiros tornam-se mais lógicos, analíticos e filósofos científicos proposicionais, e os últimos mais criadores e livres, mais adeptos da poesia, da literatura e da arte em geral. É esta a posição que mais me fascina e melhor se adapta ao meu ser. Dai que tal como diz Heidegger, existe um conhecimento originário anterior aquele conhecimento meramente proposicional. A única e grande diferença que existe em mim em relação aos meus mestres da filosofia, á exclusão de Kierkgaard, é eu ser crente numa energia ou poder superior. E considero que a experiencia e consciência dessas forças do sagrado, está muito próxima da experiencia estética. No entanto o conceito que tenho de um poder superior não diminui o conceito que tenho de liberdade, pelo contrário, pois é nessa luta que reside também o ato criativo entre as forças do mundo e outras que já vou falar. Mas para ser mais claro, eu não sou institucionalmente crente, pelo contrário, sou crítico tal como foi Nietzsche ou Feuerbach. Creio que desta forma já declarei, argumentei e explicitei que abdico de qualquer definição em absoluto para o conceito de arte. Mas também quero apresentar a minha resistência à sociedade e à história e assim abrir ainda mais o não conceito. Vejamos. Depois da morte de Deus, inevitavelmente o homem inventou-se, pois antes era apenas um reflexo daquele. Mas logo morreu, pois esse humanismo não foi suficiente para o novo homem nascer. Nietzsche percebeu isso muito bem e anunciou que o niilismo iria continuar, pois as forças ainda não eram assimiladas na sua totalidade. O eterno retorno de uma afirmação positiva era a sua solução, porém Zaratustra também morre e Dionísio e a sua força da natureza ficou por se cumprir. Resta-nos um super-homem que ainda dá muito que falar. Ora, esse desdobramento de um homem novo, não para além mas para aquém de nós mesmos, é um desdobramento que vem na sequência do que já considerei. Foucault por exemplo, na senda de Nietzsche, explica-nos que o sujeito morreu e o pensamento vem de fora. Mas ele considera que vem de certas estruturas do saber, que são os diversos conhecimentos de uma determinada época histórica. Ele fala mesmo de um a priori histórico. Ou seja, a zona de onde provem o saber é uma zona exterior. É pois o pensamento que pensa por nós, pois fazemos parte de uma estrutura, de uma episteme. Mas porém, na sua análise dos micro poderes, ele explica que eles nascem imprevisivelmente das relações. Ora, eu penso que se constroem através de afectos. Não é por acaso, a meu ver, que ele de seguida investiga o tema da sexualidade e o relaciona com o poder. Sinto que ele já procura uma forma de desdobramento do ser, na sua tentativa de criar uma ética muito estética, que de alguma forma reivindique para si uma possibilidade. Por isso ele se distancia do estruturalismo e diz ser um pós modernista. Ele percebe que existe uma brecha nesse a priori histórico e a meu ver deve perceber que é uma dimensão que se encontra no mundo da arte. E por isso, sendo ele um filósofo, ele também é um excelente literato, na linha dos grandes pensadores, filósofos ou intelectuais artistas. Para mim, este a priori é a dimensão privilegiada do artista. Esta força ou poder que já havia anunciado Nietzsche, é aquele espaço vazio onde um choque de forças aleatórias acontece. E este espaço, ou zona intermédia, é muito mais profundo que a mera consistência histórica e social. Ou seja, por baixo dessa visibilidade secundária existe um autentico big bang de micro forças. E entrar nesta luta de forças é criar ao modo continental. Mas a linguagem tem que morrer e o pensamento também, para deixarem de ser pela história determinados. Ora, isto não é fácil, assim como não é fácil a vida de um anarquista. Mas é muito mais fácil para o artista que o pensamento morra, do que para o filósofo. Por isso a maior parte de filósofos secundarizam a arte, a religião, a hermenêutica, a antropologia e a psicologia, e ficam-se ou apenas pela lógica binária dos 3 princípios, ou dormitam na ciência empírica que tudo observa ao pormenor. Esta tendência é geral. Mas parece-me que hoje em dia, ser filósofo é ser artista. Pois é estar mais próximo de dessa força apriorística, que vem do nada e sempre nos surpreende através da arte, abdicando da realidade e da fantasia, da verdade e da falsidade, do bem e do mal, da dor e da felicidade, procurando acima de tudo, o ser desdobrado e multiplicado por entre a própria criação, saboreando o momento, repousando na obra, imbuído pelos estilhaços numa dialéctica na qual o artista dá de si e recebe vida e liberdade. Nesse espaço ou dimensão, nascem novas visibilidades e novos conceitos. Então, assim sendo, o homem é arte e a arte é o homem. Por isso devemos olhar os outros como uma obra de arte. Digo isto tendo em conta tudo o que já foi dito nas teorias estudadas, ou seja, a experiencia da contemplação desinteressada por exemplo, nesta dimensão seria praticamente inútil, pois não me parece ser uma questão meramente estética, pois o outro é mesmo uma obra de arte, existe em si mesmo como tal. Por isso o ser humano pode recriar-se e transformar-se no super-homem. Mas sempre inominavelmente, indefinidamente e indescritivelmente. São as possibilidades sempre em aberto do nosso projecto de que fala Heidegger e da tentativa de ser autêntico. A arte não é meramente histórica, mas também não é uma essência, mas é o que é, como nós somos o que somos e nada mais, por enquanto. A arte é sempre o encontro daquele desencontro intemporal e aleatório imprevisível e aleatório, por enquanto. A arte é o a priori em si mesmo que nós tentámos descobrir, por enquanto. O homem não é necessariamente e naturalmente sociável, mas originariamente é arte que se recria. O homem a partir do momento em que se revê no outro, desintegra-se de si mesmo e recria-se. Toma consciência da sua singularidade e re-volta-se, des-dobra-se para si mesmo, para tentar quebrar o feitiço e a influência do outro. Morre o homem e renasce o artista, através do seu re-encontro. E só depois se tornará filósofo. Responder aquela questão sobre o que é a arte, é responder a pregunta sobre o que é o homem solitário e indefinível para quem deseja uma definição. Pois para o homem que vive como sendo uma obra de arte, a questão não se põe. Na arte o homem reflecte-se e este reflecte-se na arte. O homem sente-se, imagina-se, pensa-se e conhece-se, mas nunca se encontra essencial e verdadeiramente, pois se assim fosse morria de novo, desintegrar-se-ia e a sua arte com ele.






Bibliografia:

Arte em Teoria, “ Uma antologia de Estética”, coord. Victor Moura, Braga: Húmus/CEHUM, 2009
O que é a arte, “ A Perspectiva Analítica”, org. Carmo D’orey, Lisboa: Dinalivro, 2007
Graham, G. (1997) Filosofia das Artes, “ Introdução à Estética“, Lisboa: edições 70
Carrol, N. (2010) Filosofia da Arte, Lisboa: Texto & Grafia
Huisman, D. (1997), A Estética, Lisboa: edições 70