Ser
Arte
Por
Alexandre Costa
Introdução
Este trabalho nasce das minhas
aulas de Estética e da leitura de uma série de livros, de atas e
recensões sobre Estética, Filosofia da Arte e as suas teorias em
constante comunicação. O ser humano é constituído essencialmente
pelo pensamento, pelo sentimento, pela acção e pela imaginação.
Mas será mesmo assim? Serão nossos todos estes elementos? Se não
de onde provêem? Das estruturas sociais? Da história? Se Deus já
morreu e se de seguida também o homem que se inventou faleceu, de
que génese venho eu? De que à priori provem o som da minha
comunicação, a imagem da minha visão, a metáfora do meu
pensamento? À necessidade que tenho de me desdobrar por entre as
estruturas asfixiantes da sociedade e do mundo, aproprio-me e recebo
com agrado a citação de M. Foucault, de que: devemos viver a vida
em resistência como sendo uma obra de arte. Acrescentaria eu: em
liberdade. O que é talvez o maior paradoxo da vida, pois se queremos
ser livres é porque nos sentimos aprisionados e cheios. Mas no
entanto, quando livremente vazios, parece que perdemos o sentido da
própria existência, ou não. Eis aquele que considero ser a
principal aporia, o tema mais pertinente para no final deste trabalho
apresentar a minha posição, do artista que solitário procura
libertar-se de si mesmo, da sociedade, da história e do mundo da
arte, para viver como verdadeiro ser. E para isso, vou apresentar uma
síntese das várias teorias da estética e da arte, todas elas
retiradas dos livros que apresento na bibliografia. Mas vejamos uma
breve síntese como introdução.
G. Graham no início do seu livro
apresenta duas conclusões gerais. Diz que é melhor para o filósofo
da arte explorar a questão do valor da arte do que tentar chegar a
uma definição dela, pois a melhor explicação do valor da arte,
encontra-se no esclarecimento dos modos pelos quais ela contribui
para o entendimento humano. Arte é vida e é cultura humana, diz
ele, mas o que é exactamente e porque devemos valorizá-la? As
abordagens dividem-se. As teorias essencialistas da filosofia da arte
como base da estética, procuram descobrir a essência ou a natureza
da arte, o seu conceito e a sua definição. As teorias sociológicas
têm origem no marxismo, descobrem a arte como sendo um fenómeno
social e desenvolvem-se com o estruturalismo, o pós estruturalismo,
pós modernismo e o desconstrutivismo, numa abordagem da arte como
fenómeno histórico e como estrutura social. As teorias normativas
da arte procuram explicar o que é valioso na arte, ou seja, o que se
pode obter da arte, sendo que a questão de saber o que é a arte,
qual a sua definição ou qual a sua função social torna-se
secundário. Mas o seu valor será o prazer? Haverá um padrão de
gosto? Será o belo em si ou a beleza pela beleza? Será a obra de
arte em si mesma? Ou será o seu valor, um jogo da imaginação ou um
mero entretenimento? Mas sendo que a arte significa sempre algo, o
que será que ela comunica? Será o estímulo emocional uma
explicação adequada para o seu valor, ou será mais valiosa a arte
como entendimento ou conhecimento? Mas a estética filosófica
tradicional tem-se preocupado mais com a definição da arte, com o
conceito do que é arte e não tanto com o seu valor. Porém, aquelas
teorias da arte mais contemporâneas, como o marxismo,
estruturalismo, desconstrutivismo e ou pós-modernismo, pretenderam
revolucionar este tema. Podemos também facilmente perceber a
incerteza existente sobre se a teoria da arte deve tratar dos estados
mentais subjectivos do contemplador, na sua atitude ou experiencia
estética, ou dos objectos com existência objectiva, ou seja, as
obras de arte em si mesmas. O representacionalismo copia e imita, o
expressionismo e romantismo destacam os estados mentais do artista e
do público, mas o formalismo foca-se em objectos criados. Morris
Weitz diz-nos que todas as teorias falham, pois convergem na
tentativa de definir as propriedades definidoras da arte. Mas as
teorias da arte funcionalista e institucional, apresentam uma
terceira possibilidade e focam-se numa actividade geral da arte, ou
seja, na produção, na contemplação e no seu papel social. Então,
as 3 primeiras teorias essencialistas tradicionais são acerca do
objecto, elas procuram as características intrínsecas, as condições
necessárias e suficientes, um denominador comum. As teorias da
experiencia estética são acerca do sujeito observador e do seu
estado psicológico. Ambas, as essencialistas e as psicológicas, são
teorias funcionais que proporcionam um efeito, seja uma emoção, um
entendimento ou uma experiencia. E as últimas teorias, a
institucional ou a da definição histórica, são teorias
processuais, pois a obra respeita determinadas regras. Uma definição
descritiva inclui nela tudo o que é arte sem discriminar. Uma
definição normativa avaliativa que procura o valor da arte,
selecciona aquilo que é boa arte daquilo que é arte mas que é má
arte. Vejamos então toda esta dialéctica no decorrer de algumas
sínteses que apresento retiradas de vários autores.
Noel Carrol por exemplo, diz-nos
que nas tentativas de analisar ou definir a essência da arte em
termos de condições necessárias e suficientes, ou através da
possibilidade de um denominador comum para todas as obras e para
todas as artes, pretende-se apresentar teorias classificatórias da
arte, que nos dizem o que é arte e o que não é arte, ao contrário
das teorias elogiosas, que tentam determinar apenas as boas obras.
Porém, ainda assim, algumas são sempre mais elogiosas e outras mais
classificatórias. Estas teorias são as teorias
representacionalistas, as teorias da expressão ou expressivistas, as
teorias formalistas, e as teorias estéticas da arte da experiencia
ou atitude estética de dimensão mais psicológica. Porém as
tentativas de analisar o conceito de arte nestes termos de condições
necessárias e suficientes sempre falharam. Ele explica que esta
filosofia conceptual não se pode comparar a uma ciência social que
investiga dados empíricos, pois ela tenta resolver os conceitos
conceptualmente. Reflectindo sobre a ideia de arte, tenta primeiro
clarificar os conceitos, testando-os intelectualmente, para depois
serem devidamente aplicados às obras particulares. Ora, sendo assim,
então temos uma contradição evidente, pois deste modo, a essência
será sempre uma ideia do que deve ser e não do que empiricamente e
realmente uma obra de arte é! Isto só para dizer que à priori, já
podemos deduzir que esta possível lei geral racional e universal,
irá fracassar quando aplicada à vida artística. Já Nietzsche
dizia que unidos e inseparáveis, o pensamento afirma a vida e a vida
promove o pensamento. A proposta de que é impossível definir as
obras de arte através de definições essenciais, e que estas ao
invés devem ser identificadas através de parecenças familiares,
chama-se Neowittgensteinismo. Porém, também esta se revelará
impraticável. Mas de seguida aparecem novos projectos que tentam
analisar o conceito de arte por meio de definições essenciais. A
teoria institucional da arte e a definição histórica da arte, onde
podemos incluir a teoria da narração histórica do próprio N.
Carrol.
Teorias da Arte.
- Arte como Representação.
As primeiras teorias da arte que
se conhecem na filosofia ocidental foram proposta por Platão e pelo
seu discípulo Aristóteles. E para ambos, a imitação era uma
condição necessária, pois segundo esta perspectiva, o que os
artistas procuram fazer é reproduzir a aparência das coisas,
copiá-las. Então, diz-nos N. Carrol que para o representacionalismo
a arte é representação e a sua definição diz que X só é uma
obra de arte se for uma imitação. E nesta linha, reflectindo sobre
a representação pictórica, ela diz que X representa Y se e só se,
ou seja, com a condição de X se parecer manifestamente com Y, ou
provocar a ilusão de Y nos observadores.
O Neo representacionalismo: N.
Carrol, A. Danto e N. Goodman.
N. Carrol nesta sua própria
teoria neo representacionalista é um integracionista, pois para ele
toda a arte se explica através de vários tipos de representação.
Ele diz-nos no seu livro que para o neo-representacionalismo, X só é
uma obra de arte se for acerca de alguma coisa. E que por isso, todas
as obras de arte requerem interpretação, pois devem conter algum
conteúdo semântico. E assim sendo esta abordagem lida muito bem com
alguns casos problemáticos da arte moderna, como por exemplo com os
readymade, objectos encontrados ou objectos ansiosos, como a fonte de
Duchamp, que é um objecto indiscernível mas que possui um
significado a ser interpretado, logo, tem a qualidade de ser acerca
de algo, que o distingue de um comum e banal urinol. Note-se que o
neo-representacionalismo é bastante inclusivo, pois ser acerca de
algo pode ser sobre questões metafísicas, políticas, espirituais
ou psicológicas, quer seja figurativo ou abstracto, desde que seja
sobre algo. E para dar um exemplo do que acontece com estas teorias
descritivas de condições necessárias e suficientes, nesta teoria
da neo representação, se uma obra for apenas bela em si e nos der
prazer apenas ao contemplá-la, não exigindo qualquer interpretação
sobre a beleza, então não seria uma obra de arte.
Diz-nos N. Carrol que a
representação pictórica, só representa pictoricamente Y se X
denotar Y de acordo com um sistema de convenções estabelecidas. Mas
ainda nesta teoria, a representação pictórica neo naturalista tem
uma formulação mais complexa que diz:
“ Uma
configuração visual X representa pictoricamente Y (um objecto, um
lugar, uma pessoa, uma acção, um acontecimento…) se e só se (1)
X tiver a capacidade de levar um observador comum a reconhecer Y em X
pela simples observação, (2) os observadores em causa reconhecerem
Y em X pela simples observação, (3) se se pretender que X denote Y
e (4) os observadores em causa compreenderem que se pretende que X
denote Y.” (N. Carrol, p. 63)
- Arte como Expressão.
O Expressionismo simples e
Transmissionista de Tolstoy versus a Expressão a Solo.
A ideia central destas teorias é
a de que toda a arte exprime emoção. Diz-nos N. Carrol que as duas
principais versões desta abordagem são a teoria transmissionista e
a teoria a solo. Ele começa por explicar que a palavra expressão
significa pressionar do interior par o exterior. Que os artistas
começaram a virar-se mais para o interior e para as suas próprias
experiencias subjectivas. E que o romantismo valoriza mais o sujeito
e as suas experiencias individuais. “ O poeta contempla uma
qualquer cena exterior, mas não a descreve por causa do seu valor
intrínseco, fá-lo porque ela é um estímulo para examinar as suas
próprias reacções emocionais ao que vê.” Nesta teoria, o
artista criador inquieto, representa o mundo interno de sentimentos
profundos. Na teoria transmissionista de Tolstoy, a expressão é uma
forma de comunicação de sentimentos e a obra de arte transfere
emoções.
A sua definição
diz que “X é uma obra de arte se e só se X for (1) uma deliberada
(2) transmissão ao público (3) do mesmo tipo de (4) estado
emocional (5) individualizado (6) que o artista experimentou (7) e
clarificou (8) por meio de linhas, formas, cores, sons, acções e/ou
palavras.” (p. 81)
Esta teoria da transmissão exige
que a emoção clarificada seja comunicada ao público. Mas a teoria
expressionista a solo, aquela que a mim mais me interessa, abdica
desta exigência e permite que algo seja uma obra de arte desde que
implique a clarificação de uma emoção, independentemente de se
pretender ou não que ela seja transmitida ao público, ou seja,
desde que (nesta teoria) o criador possua um estado emocional
clarificado. Diz-nos N. Carrol que as teorias expressionistas em
geral ainda são mais inclusivas e abrangentes que as anteriores,
sendo também bastante normativas, pois explicam porque a arte é
importante e tem valor para nós. Pois se a ciência explora o mundo
exterior da natureza e do comportamento humano, a arte explora o
mundo subjectivo dos sentimentos. E sendo que um outro significado do
termo expressão é comunicação, no entanto, os filósofos da arte
não estão a pensar na simples comunicação de ideias, pois aqui o
que se exprime são certas qualidades humanas como sendo
características antropomórficas. Ou seja, para além de uma obra
exprimir alegria ou raiva, ela pode exprimir coragem, cobardia,
honestidade, etc… E Carrol apresenta uma perspectiva generalizada
desta abordagem da expressão que diz o seguinte:
“Um artista só
exprime (manifesta, encarna, projecta materializa) X (uma qualquer
característica humana) se: (1) o que levou o artista a criar a sua
obra de arte foi um sentimento ou uma característica de X (2) o
artista incutiu nesta obra de arte X uma qualquer característica e
(3) a obra de arte tiver a capacidade de proporcionar ao artista o
sentimento ou a experiencia de X quando o artista relê, revê e/ou
escuta de novo e, consequentemente, o artista é capaz de transmitir
a outros autores, espectadores e/ou ouvintes o mesmo sentimento ou
experiencia. (p. 98)
A sinceridade é pois uma
condição necessária das obras de arte expressivas, que
exemplificam as propriedades que exprimem, com referencia, posse e
metáfora, que faz com que e expressão exemplifique metaforicamente.
G. Graham diz-nos que o expressionismo é uma visão muito próxima
do romantismo, que incarna sentimentos sinceros e afirma que o
conteúdo da arte é emoção. Mas que assim ele elimina o valor da
imaginação, pois uma emoção imaginada não precisa de ser
sentida. É o que acontece com o expressionismo comum e simples de
Tolstoy.
O Expressivismo de Collingwood.
Diz G. Graham, que o
expressivismo sofisticado de Collingwood evita o psicologismo
emocional. Segundo ele, cada ato da imaginação tem na sua base uma
impressão ou experiencia sensual, que na sua actividade mental é
convertida numa ideia. “ Cada experiencia imaginativa é uma
experiencia sensual elevada ao nível imaginativo por um ato de
consciência.” (Collingwood: 1938) Para ele a arte é expressão e
imaginação.
“É pela
construção imaginativa que o artista transforma a emoção vaga e
incerta em expressão articulada. O processo de criação artística
é, assim, não uma questão de interiorizar o que já existe
internamente, tal como propunha o modelo mais simples, mas um
processo de descoberta imaginativa. E dado que tudo tem início com a
perturbação psíquica do artista, trata-se de um processo de
autodescoberta. Nisso, na verdade, reside o seu valor peculiar: o
autoconhecimento.” (G. Graham p. 55)
Para Collingwood a arte é pois
mais acção do que contemplação. O artista sente, mas o seu
peculiar dom é a especial capacidade para imaginar. E se a
finalidade da arte é um tipo da autoconhecimento, dos nossos estados
emocionais, a arte torna-se um tipo de introspecção, sendo a
criação artística consequente e conclusiva acima de tudo para o
seu criador, que ao agir imaginativamente sobre a emoção, trás a
emoção à consciência. Logo, nesta perspectiva, a obra de arte tem
acima de tudo valor para o próprio artista.
Expressionismo versus Expressivismo.
G. Graham explica que uma
distinção importante entre a teoria da expressão vulgar de Tolstoy
e a sofisticada de Collingwood, é perceber a diferença entre algo
ser uma expressão de, e algo ser expressivo de, pois ser uma
expressão de emoção, implica que há alguém (o artista) de quem
se tem a expressão e que a obra exprime a dor do artista. Mas algo
ser expressivo de dor, não implica alguém (artista e/ou público) a
possuir essa dor. Ou seja, a arte pode ser expressiva de uma emoção
sem ter que ser expressão dessa emoção. E o público não
necessita de sentir essa emoção, mas apenas aprecia a sua expressão
imaginativa, a um nível superior de consciência. E assim o
intelecto ordena e organiza os dados da consciência e as suas
relações, sendo cada ato comunicacional uma obra de arte, sendo a
emoção uma experiencia sensual consciencializada, apresentação
imaginativa da experiencia.
A teoria ideal de Croce e
Collingwood.
G. Graham diz que um
expressivismo mais trabalhado é a teoria ideal de Croce com
Coolingwood. As teorias dos dois são semelhantes e desenvolvem-se
paralelamente. Croce por exemplo faz uma distinção entre arte
autêntica e arte como ofício. Pois a arte autêntica não é um
meio para um determinado fim utilitário, pois procura a expressão
adequada para uma emoção e exprime os sentimentos que estão a ser
sentidos, no momento em que são sentidos. Porém, na tentativa de
encontrar a emoção adequada, não sabemos a emoção antes de a
produzir, pois o artista não conhece a emoção à priori, mas
apenas quando a cria. E ao descobrir a emoção adequada, temos
consciência do que sentimos no momento em que a produzimos. Então,
a arte lida com um sentimento específico que o artista particular
sente. Sendo a arte como ofício uma mera teoria técnica da arte.
Dai que o virtuosismo técnico pode ser necessário, mas não chega.
A teoria ideal também concebe a arte como coisa mental que é retida
na memória. Mas o verdadeiro objectivo da arte é ser um veículo da
ideia na mente do artista, que a impõe na sua imaginação.
- Arte como Forma.
Kant e a ideia Estética.
Para Kant conhecer é unificar e
a verdadeira beleza é livre, sendo o objecto belo apenas formal, não
sensual e não útil. Ele afirma que as imagens da arte dão-nos
muito mais do que pensar, pois são mais do que o próprio
pensamento. E é daí que surgem as ideias estéticas, sempre com
carácter metafórico, pois elas nascem como resposta á necessidade
de inventarmos aquilo que não tem referente estético. Ou seja,
porque temos a necessidade de encontrar referentes para certos
conceitos indeterminados, a arte nasce. Ele diz que a sensibilidade
não é necessária, pois a imaginação constrói sozinha. O
entendimento propõe explicar as imagens e quais são as suas
relações, mas a imagem é sempre mais forte e mais poderosa. É o
livre jogo das faculdades que funciona em circuito fechado. É uma
imagem que não se deixa explicar. E assim o homem dá-se conta da
capacidade da imagem, da imaginação e do entendimento trabalharem
juntos. O entendimento é sempre superado pela imaginação, pela
imagem, pela forma. Para Kant a imaginação é soberana, é uma
autónoma sensação de vida. Mas é experiencia e é mental, pois a
existência do objecto em si não interessa. O livre jogo das
faculdades dá-nos o conceito do acordo da imaginação e do
entendimento, na ausência de determinações objectivas. É o modo
transcendental das faculdades do juízo. Ou seja, algo é belo a
partir desta estrutura, deste acordo que é apresentado a outro
acordo, como no imperativo. Dai que o juízo estético é tão
universal como o categórico. Não tem objectividade nem finalidade
ou utilidade. É a consciência de que todos partilhamos no senso
comum.
Formalismo e Neo formalismo: C. Bell
e R. Fry: o grupo de Bloomsbury.
Para N. Carrol, a teoria da forma
ou formalismo, é ainda mais inclusiva e abrangente. Pois ela diz que
se para que alguma coisa seja considerada uma condição necessária
para atingir o estatuto de arte, ela deve ter uma propriedade que
toda a obra de arte possui, a forma é o denominador comum, a
propriedade que todas as obras de arte partilham. Ou seja, X só é
uma obra de arte se possuir uma forma significante. Isto é, X só é
uma obra de arte se X for algo concebido, com a principal função de
exibir forma significante. A obra tem pois um propósito a servir. É
algo cuja intenção principal é exibir uma forma significante que
produz um estado mental ou uma emoção estética peculiar no
observador. Então, a forma é a única coisa que interessa. Esta
teoria é a teoria de Clive Bell. Mas talvez porque aquele estado ou
emoção peculiar, da forma significante, seja devido à
representação de um conteúdo e às suas propriedades, logo, na
tentativa de criar espaço para o conteúdo, surge o neo-formalismo,
que diz que ”X é uma obra de arte se e só se (1) X possuir
conteúdo (2) possuir forma (3) e a forma e o conteúdo de X
estiverem relacionados entre si de maneira adequada e satisfatória.
(p.145) Ou seja, os elementos comuns da forma artística são as suas
partes e as suas relações. No entanto, sem termos que
necessariamente descrever todas as redes de relação entre os
elementos das obras, numa concepção mais geral e explicativa, nós
seleccionamos aquilo que contribui para a finalidade ou função da
obra, que é a forma artística. Daí que o único objecto de
apreciação artística é a contemplação da forma da obra de arte,
através da tentativa de compreender como é que certas escolhas
formais concretizam as próprias finalidades da obra.
O Formalismo contém 5 teses
fundamentais: sendo a tese da bifurcação a teoria central, pois
diz-nos que em qualquer obra é possível fazer uma distinção entre
a forma, que esteticamente é mais relevante, e o conteúdo, que
esteticamente é irrelevante ou secundário, pois se o conteúdo
trata do quê, do que contém, a forma trata do como, ou seja, de
como é apresentado o todo formal e mais significante que contem as
partes. A segunda tese do hedonismo estético, explica que a nossa
experiencia na relação com a forma, proporciona uma emoção
estética fora do comum, pois não é uma sensação de prazer ou
alegria, mas é uma emoção peculiar que surge precisamente por si
só, diante de determinadas formas. A terceira tese da purificação,
significa que à medida que a forma evolui progressivamente,
consoante o peso relativo que a forma tem, a nossa tendência é
concentrarmo-nos cada vez mais na forma, até que a concentração
seja apenas criação de forma. A quarta tese do automatismo
estético, pretende dizer que o valor estético de determinada obra
de arte, é diferente e autónomo em relação ao seu valor cognitivo
ou ético, quer seja moral ou imoral, social ou económico. E a
quinta tese da arte pela arte, quer dizer que a arte tem em si
própria a sua forma de ser, pois é autónoma na sua pura vontade de
criar formas.
Os dois argumentos principais do
formalismo, são pois o do denominador comum, que diz que a
característica ou condição necessária a todas as obras é a
apresentação formal. E o argumento da função, que é precisamente
exibir uma forma que basta por si só, pois é suficiente essa pura
intenção.
Para Fry, a arte é uma revolução
ontológica, pois nós desviamos os objectos da existência comum
para os observar na sua essência, que é a sua realidade formal. E
porque a atenção á forma é despertada pelo objecto e não pelo
sujeito. E a intenção do artista é para que se liberte a forma do
objecto. Fry distingue na sua teoria a vida real responsiva, que é a
nossa vida do dia-dia, que sujeita a relações de causa e efeito,
submete-nos e prende-nos a uma teias de causas e consequências. E a
vida imaginativa, que nos permite uma experiencia pura que nos
desliga da reacção normal da vida responsiva das consequências.
Pois a arte é a entrada que nos liberta daquela vida cheia de
responsabilidades morais e sociais. Podemos dizer que os objectos têm
uma utilidade, mas que a vida imaginativa liberta-nos do utilitário
e das etiquetas que colocamos aos objectos. Dai que é preciso a
revelação do mundo tal como ele é, pois a realidade tal como ela
é, não é a realidade tal como nós estamos formatados para a ver.
Isto é, a coisa em si sem aquela estrutura Kantiana que organiza as
coisas, seria ou é pura forma. Então, para Fry, as formas pelas
quais se obtém a intensidade desinteressada da contemplação, devem
ter 4 características: ordem, diversidade ou variedade, consciência
de uma finalidade e unidade. E o artista, ele desperta as nossas
emoções através da manipulação do ritmo da linha, da massa ou
solidez, do espaço, da luz e da sombra e da cor, que ele considera
ser a mais secundaria.
C. Bell, para responder á
pergunta: porque somos tão profundamente comovidos por formas de um
modo particular? Ele coloca duas hipóteses. A hipótese estética,
através da qual temos acesso a aspectos da experiencia que
normalmente nos escapam, ou seja, às emoções estéticas e às
formas puras. Sendo que esta hipótese estética exige 3 princípios:
a ausência de representação, pois a verosimilhança não é o
objectivo. A ausência de virtuosismo técnico que apenas nos foca na
irrelevância do conteúdo. E por último, o interesse por uma forma
sublimemente impressionante. E a segunda hipótese metafisica, porque
nós tendemos a olhar para os objectos como meios e não como fins.
Estamos sempre a associar as coisas entre si e perdemos as relações
das coisas em si mesmas. Sendo que o artista, detém uma apreensão
apaixonada da forma, sendo o único capaz de libertar aquelas
associações amortalhadas. O artista responde a um problema criando
uma forma que vale por si só. E o observador é particularmente
emocionado, porque através da obra de arte, ele tem acesso às
coisas como fins em si mesmas, sendo esta uma emoção metafísica,
pois a arte, ao procurar captar a coisa em si mesma, vai para além
daquilo que é percepcionado. E é precisamente por isso que o
observador comum, ao estar perante objectos em si mesmos, desligado
de qualquer associação ou instrumentalização, tem perante as
obras de arte uma reacção de desconforto.
Heidegger.
Heidegger insere-se no
formalismo. E na sua teoria, a origem da obra de arte podia ser a
arte como origem. E sendo a arte um objecto ou uma coisa, ele diz que
devemos pensar os objectos a partir da obra de arte, ou seja, da
origem. Então ele tenta explicar a obra de arte para explicar o
objecto. Ele pensa o objecto da arte de modo a esclarecer a natureza
do objecto, sendo que o objecto como utensílio está ao serviço do
homem e visa as necessidades de domínio do homem. A obra de arte é
pois uma abertura à realidade, que é a verdade como alêtheia, uma
forma anterior de verdade que não está encoberta pelo ente. É ter
um aceso ás coisas na sua limpidez original. E aqui a ideia é
libertarmo-nos da linguagem utilitária e assim encontrar a verdade
aproximando-nos. Pois a obra de arte é uma clareira que deixa que as
coisas naturalmente aconteçam. E assim o artista cria uma abertura,
um rasgão, para que a realidade aconteça revelando-se. Ele diz que
para pensar a arte como algo mais que uma coisa, devemos em primeiro
lugar, pensar que a obra de arte é um trabalho daquilo que está a
pôr-se em obra, pois a obra de arte, mais que um objecto, é um
processo onde as coisas se revelam não encobertas. É o olhar para
as obras sem etiqueta, para observar a dinâmica da realidade, pois a
obra de arte permite-nos encontrar a verdade como alêtheia. Só
depois da angústia de uma existência sem utilidade, nós temos uma
nova percepção de nós próprios. Mas diz Heidegger que a própria
arte revela-nos o carácter do utensílio. Ou seja, na imagem das
botas, nós temos a vida e a essência da camponesa. E o motor que
impele a obra de arte para a abertura, deriva de uma tensão e guerra
entre a terra e o mundo. Na terra as coisas existem sem porquê, sem
interrogação. O mundo é o conjunto da cultura humana e é já
determinado pelo homem. A terra é o que está fora do mundo e do
homem, aquele elemento que não seremos capazes de captar. A obra é
esta luta entre o nosso mundo e a não compreendida terra. Ou seja,
tudo o que podemos dizer sobre uma obra vem do mundo, mas há limites
onde não podemos penetrar para interpretar. É a terra e o seu
caracter único, que tem um sentido que vai alem do que podemos
captar. É a ideia de um X enigmático, um X que suspeitamos existir
através da arte. Então, as obras de arte esclarecem sobre as coisas
das coisas.
- A Teoria Estética da Arte.
Filosofia da Arte versus
Estética.
Carrol explica-nos que Estética
significa percepção sensível ou compreensão pelos sentidos, o que
indica um maior interesse relativamente à experiencia do público,
aos leitores, ouvintes, observadores ou espectadores. Por isso a
experiencia estética diz respeito à percepção ou atitude
estética, pois refere-se a um estado mental que é um tipo de
reacção peculiar às obras de arte e a outros fenómenos da
natureza em geral. Isto para dizer que as propriedades de algum
objecto ou fenómeno artístico, como por exemplo a coesão ou a
grandiosidade, são propriedades que dependem de uma reacção que
está dependente de uma percepção humana, de uma sensibilidade,
constituição perceptiva ou cognitiva. O que quer dizer que nós
experimentámos as características estéticas que se referem a
propriedades que o objecto possui e exibe, mas que o objecto apenas
possui e exibe em função da possibilidade de haver quem as
experiente. E se as teorias da arte são sobretudo relativas ao
domínio de determinados objectos, cuja essência as teorias procuram
definir, então a estética é uma teoria mais focada nos modos da
experiencia da recepção ou percepção. Daí que a filosofia da
arte centra-se no objecto e a estética na recepção do sujeito.
Isto para dizer que a filosofia da arte podia definir arte sem
referir a experiencia estética. Porém, existe uma abordagem à
filosofia da arte, que afirma que qualquer definição da arte deve
necessariamente envolver noções de experiencia estética. É a
teoria estética da arte que envolve os dois termos, arte e estética,
pois diz que a filosofia da arte e a estética não são
independentes, pois o estatuto de arte está intimamente ligado á
experiencia estética e assim sendo, a arte é um veículo para a
experiencia estética.
A Experiencia
Estética de M. Beardsley e a Atitude Estética de J. Stolniz.
Diz-nos Carrol que na definição
estética da arte, existe uma relação especial na nossa relação
com as obras, pois elas proporcionam uma experiencia única, dão
origem a um estado peculiar de contemplação. Logo, procuramos as
obras de arte a fim de obtermos experiencia estética. E por isso, os
artistas ao criarem obras, pretendem proporcionar ao público a
fruição da experiencia estética. Daí que a definição estética
da arte diz que “ X é uma obra de arte se e só se (1) X tiver
sido produzido com a intenção de possuir uma determinada
capacidade, nomeadamente (2) a capacidade de proporcionar experiencia
estética.” (p.183) Temos aqui a intenção do artista de criar
algo para induzir a experiencia estética e temos uma componente
funcional, pois a capacidade de proporcionar a experiencia é no
fundo uma função atribuída à obra de arte. Podemos fazer uma
analogia e perceber que esta experiencia estética é semelhante ao
formalismo da forma significante, que provoca emoções estéticas,
mas a teoria estética da arte, abdica da abstracção da forma
significante e foca-se na experiencia estética. A experiencia
estética é marcada pela atenção desinteressada e empática. E á
marcada em simultâneo por uma contemplação do objecto e pelo seu
valor intrínseco. O desinteresse significa interesse, mas um
interesse sem outros fins, ou seja, concentramo-nos
desinteressadamente como por exemplo um juiz, que no tribunal toma
decisões imparcialmente, isto é, desinteressadamente, pois deve
faze-lo sem interesse pessoal e sem outras intenções alheias ao
caso em questão. E prestar atenção com empatia, implica que o
observador se deve entregar à obra, permitindo assim, que as
estruturas e finalidades da obra o guiem, aceitando voluntariamente e
conscientemente ser orientado pela obra. E assim, o observador
sujeita-se às regras do objecto e consequentemente coloca-se nas
mãos do criador do objecto. Então, empaticamente ele vai até onde
o criador lhe peça que vá, prestando atenção e contemplando
conscientemente os pormenores e as inter-relações.
Noel Carrol apresenta-nos uma
definição da experiencia estética, centrada na emoção e ligada à
definição estética da arte, que diz que “X é uma obra de arte
se e só se X tiver sido criado intencionalmente com a capacidade de
fomentar a contemplação e a atenção desinteressada e empática
dirigida a X pelo seu valor intrínseco.” (p. 194) Mas as
experiencias estéticas também são as experiencias das propriedades
estéticas da obra. Contudo estas propriedades estéticas são
diferentes daquelas propriedades quantitativas das coisas, que não
dependem da psicologia humana e que interessam aos físicos. No
entanto, sendo propriedades diferentes, as propriedades estéticas
dependem do tipo de propriedades que os físicos estudam, pois uma
linha elegante, tem um certo comprimento e espessura. Ou seja, a
propriedade da elegância, provém de propriedades básicas por
superveniência, isto é, por uma relação de interdependência
entre a elegância estética e as propriedades básicas, de tal modo
que, se estas últimas fossem diferentes, as estéticas também o
seriam. Mas a elegância da linha também está relacionada com o
sujeito, com a sensibilidade que apreende a linha. Então, embora
dependente da nossa resposta, a percepção cromática dos objectos
detecta propriedades objectivas das coisas. Logo, a experiencia
estética não é uma pura projecção do sujeito. A experiencia
estética é pois uma reacção à arte que implica percepção e
observação, mas também detenção e descriminação de
propriedades estéticas. Assim como também, a contemplação da
relação das formas com o seu próprio propósito, isto é, a
apreciação do design da obra.
Carmo D´orey apresenta no seu
livro a atitude estética de J. Stolniz, que “é a atenção e
contemplação desinteressadas e complacentes de qualquer objecto da
consciência apenas em função de si mesmo. “ (p. 49) A percepção
estética é explicada em termos de atitude. Os seres humanos não
são receptores totalmente passivos, pois uma atitude determinada é
um modo de dirigir e controlar a percepção e a nossa consciência
do mundo. Uma atitude prepara-nos para reagir aquilo que
percepcionamos. A atitude estética não é prática nem cognitiva. A
atitude estética isola o objecto, concentra-se nele
desinteressadamente e sem preconceitos. Aceita o objecto tal como ele
é, numa atitude de complacência e empatia, ou seja, dando ao
objecto a oportunidade de se mostrar à nossa atenção estética. E
esta atenção estética discrimina e aprecia em profundidade todos
os pormenores complexos e subtis da obra. Pois só assim a
experiencia estética é contemplação. Sendo que a apreensão
estética também é consciência.
Nas aulas de estética com o
professor Victor Moura, quanto à definição de que a atitude
estética é “uma atenção desinteressada complacente e
contemplativa perante um objecto que é experimentado
consequentemente apenas por ele próprio.” Stolniz defende um
estado mental particular a partir do qual temos uma experiencia
estética. E sendo assim, tudo pode ser uma experiencia estética,
desde que contemplado com atitude estética. Ele faz uma passagem
pelos termos que se utilizam em estética e em teoria da arte, e diz
que todos eles têm origem noutras áreas, à excepção de um: o
desinteresse, quando nos referimos à experiencia estética. E a
origem do termo desinteresse na estética, é retirado da filosofia
de Thomas Hobbes que é de um absolutismo político e egoísmo
estético. Ma naquela época, alguns pensadores que eram contra
aquela posição, tentaram desmontar aquele egoísmo básico.
Shaftesbury por exemplo, diz que existe no homem um amor particular
que se pode definir como desinteresse, como sendo o bem por si só.
Mas o conceito pode também ter nascido no espaço continental, nas
disputas éticas entre Jesuítas e Jansenistas, que se focavam no
interesse das acções, nas suas consequências e na predestinação.
Mas uma vez que não sabemos que estamos predestinados, praticamos o
bem por si só, para a salvação. Leibniz por exemplo, fala da
existência de um amor particular que se justifica pela dependência
que temos ao objecto que amamos. Dai que amar é encontrar a
felicidade na felicidade do outro. Ou seja, a felicidade do objecto
amado entra na nossa própria felicidade. A nossa felicidade decorre
da felicidade do objecto. Temos pois no desinteresse uma origem moral
e ética que é estendida a arte. E é daí que surge a atitude
estética de J. Stolniz, onde o objectivo é experimentar o objecto
em si sem outro interesse qualquer, seja prático, cognitivo, de
clarificação ou de julgamento.
É pois uma teoria classificativa e não
avaliativa ou normativa.
A atitude é complacente, porque
se dá uma oportunidade ao objecto para que ele se torne interessante
à percepção. E para isso é preciso insistir na relação. Mas
começamos a ser complacentes com a obra através da atenção, de um
interesse focado, que acontece através de sintomas fisiológicos,
mas também pela análise dos detalhes. Não choramos porque estamos
tristes nem estamos tristes porque choramos. A relação é também
contemplativa, uma profunda absorção por qualquer objecto que é
experimentado conscientemente. E assim a arte liberta-nos daqueles
nossos hábitos de ver que possuem o véu de maia. Ou seja, a atenção
estética retira-nos o véu e nós olhamos para os objectos que
ocupam toda a nossa atenção isolando-os, numa experiencia que é
boa em si mesmo. Mas a atitude estética está consciente de que os
objectos de arte não estão desligados da vida em geral, pois a
experiencia estética tem consequência na nossa vida em geral,
porque aquele que exercita a experiencia estética, pode desenvolver
uma atitude que por ser mais serena em relação á vida e a si
mesmo, é compensatória. E assim Stolniz levanta a questão da
relevância estética. Pergunta-se quais são as associações de
ideias relevantes e as que são obstáculo para a nossa relação com
o objecto. Quanto á questão de se experiencia estética da natureza
será mais valiosa que a da arte, para Stolniz a diferença é apenas
de grau. Mas diz que a vantagem da arte é que esta está devidamente
configurada, isto é, está contida, unificada, não suscita
associações simbólicas e psicológicas como acontece com a
natureza.
Ele apresenta o elemento da
temporalidade nas artes. O grupo das artes do tempo como sendo a
música e a literatura, que na sua temporalidade, dividem-se naquelas
que apenas exigem uma consciência de sequencialidade, e as que
apenas exigem consciência rítmica. E o grupo das artes do espaço,
das imagens em geral, das artes plásticas, pintura, cinema,
arquitectura, escultura, etc… E aqui nas artes visuais, nós temos
uma relação intensa de sacadas visuais, que é quando se faz
diferentes miradas consoante as obras. Para ele há sempre uma
consciência do tempo da duração do quadro, assim como da época.
Mas diz que é preciso insistir na familiaridade das obras entre si,
para termos uma carga contemplativa, pois a consciência da unidade
da obra só se dá pela familiaridade. Então, toda a experiencia
estética dá-se no tempo, numa consciência apurada dos instantes da
nossa relação com a obra. E cada instante tem uma dimensão
retensiva, onde cada instante remete para o instante anterior, e uma
dimensão protensiva do instante posterior, quando antecipamos no
tempo. Ou seja, a experiencia estética caracteriza-se também pela
atenção a estas dimensões que olham para o passado e para o
futuro.
A Distancia Psíquica de E. Bullough
como princípio Estético.
No livro de Victor Moura, ele
apresenta esta teoria ainda sobre o sujeito observador. E diz que a
atitude para com o objecto é uma experiencia estética. E. Billough
diz que se conseguirmos adquirir uma determinada distância ideal do
objecto, se nos colocarmos nem muito próximos nem muito distantes,
podemos tirar dele uma experiencia estética, pois alcançamos a
distância psíquica ideal numa relação estética. Se formos muito
atraídos e afectados pelo objecto, nós caímos na sub distância,
pois envolvemo-nos demasiado. Mas se nos distanciarmos demasiado,
caímos na sob distância e assim não nos deixamos afectar quase
nada. Dai que os objectos de arte são criados propositadamente para
activar essa distância psíquica. E assim sendo, a arte explica-se
para resolver esta antinomia da distância, isto é, na procura da
máxima diminuição da distância, mas sem o seu desaparecimento.
Isto porque os artistas tentam sempre atrair afectivamente e
cognitivamente. Mas por isso mesmo, o espectador deve procurar a
distância ideal. E este conceito de distância psíquica, explica
aquelas dicotomias dos conceitos que explicam a arte, ou seja, todas
aquelas séries de pares tipo: arte objectiva versus subjectiva,
realista/idealista, sensual/espiritual, típica/individual, etc…
pois a distância é despertada pelo objecto de arte. Uma arte
impessoal e objectiva por exemplo, coloca o espectador a grande
distância, porque não o envolve tanto. E assim, tendemos para a sob
distância que consequentemente tem que se tentar superar. Já uma
sub distancia de maior envolvimento, acontece com uma arte subjectiva
e mais pessoal. Os temas ou obras idealistas e mais conceptuais por
exemplo, tendem a uma sub distância, mas os temas ou objectos mais
realistas já convocam e colocam o espectador mais na sob distância.
O objecto mais sensual tende a criar mais sub distancia, mais
proximidade. Já um tema espiritual, colocará o sujeito numa maior
sob distância reflexiva. Uma obra típica não individualizada,
colocará o observador mais afastado na sob distância. Mas uma
vantagem, é que a relação nunca é absolutamente ligada ou
desligada, pois pressupõe sempre vários estados de sub ou sob
distância. Mas em cada relação, haverá sempre um momento
particular, uma distância particular onde nos colocamos idealmente
numa relação ideal. A ideia é que quando o individuo tende para a
sub distancia, então é preciso algum cuidado, pois é preciso
vencer a sub distancia. Podemos dizer que as referencias a funções
orgânicas, ao corpo e ao sexo, por exemplo, estão sempre abaixo na
sub distancia. E por isso a forma ideal para que o espectador se
coloque na posição ideal, é a tal unificação do apresentado, que
é o modo de compreensão da apresentação formal no seu todo, isto
é, a simetria, a oposição, a proporção, o equilíbrio, a
distribuição das partes, etc… pois como existem normas sociais e
culturais que estabelecem limites para certos temas, os artistas
procuram incomodar com temas quentes e polémicos, que de alguma
forma revelam algo que envolve o espectador na sub distancia, mas
aqui é preciso superar e encontrar um equilíbrio através da
unificação do apresentado, como por exemplo colocar a atenção nas
propriedades pictóricas da obra no seu todo. E por último, a
distância serve também para explicar a própria actividade
artística, que normalmente começa com uma emoção e a tentativa da
sua comunicação. Mas a arte surge quando o homem morre e surge o
artista, que no ato da sua criação, distancia-se, envolve-se e
sofre o distanciamento psíquico, pela intensidade e pelo
amortecimento dela.
Inspirado numa experiencia feita
por A. Richard sobre um poema onde ele compara a clareira de um
bosque com a entrada de uma catedral, E. Bullough apresenta 4 tipos
de espectadores: o espectador associativo, que é aquele que está
constantemente envolvido em associações. E que por isso não tem
uma atenção contemplativa com o objecto, pois está sempre a
relaciona-lo, perdendo desse modo qualquer relação causal. O
espectador fisiológico, para o qual o objecto promove acima de tudo
sensações. Sendo que por este motivo, este espectador está mais
próximo do objecto que o espectador anterior. O espectador
objectivo, que é aquele que está mais interessado na natureza do
objecto do que do objecto em si mesmo. E aquele espectador de
caracter ideal, que é o único que se interessa pelo objecto em si
mesmo com uma objectividade impessoal intensa, que é simultaneamente
pratica e social, pois tem uma vivida experiencia do objecto.
Mas em relação a estas teorias
estéticas da arte, Dickie considera que tudo isto é um mito. Que
nestas teorias houve uma acumulação indevida de conceitos, como por
exemplo a distância psíquica, experiencia, atitude, etc… que faz
com que tudo pareça uma caça aos fantasmas, pois a única questão
parece que é saber se a pessoa está atenta. Dickie diz-nos que o
que considera que acontece realmente, é que porque temos
determinados estados de atenção que num tipo de transição tendem
a transportar-nos para outros fenómenos, nós temos uma atenção
transitiva, assim como temos uma atenção intransitiva, mais
concentrada no objecto. Ou seja, para Dickie é só disto que as
teorias da experiencia ou atitude estética falam. E por isso, ele
chama- lhes as teorias do desinteresse, pois estão erradas no modo
como estabelecem os elementos da relevância estética. Ele diz que
nestas teorias, há muitos aspectos que não promovem o nosso
contacto com o objecto, mas que no entanto, podem ser admissíveis no
que toca à contemplação dos objectos. E também considera que há
um erro no trato da relação entre a arte e a moralidade, pois estas
teorias consideram que nos devemos abstrair de certas mensagens ou
normas morais. Mas para Dickie, a própria moralidade pode tornar-se
num elemento tão importante na obra como o seu equilíbrio ou outra
característica. E assim, deste modo, Dickie é um defensor de um
eticismo moderado. Ele diz que Stolniz tinha razão quanto à sua
tentativa de desviar a filosofia da ideia do belo, pois antes disso
qualquer objecto podia ser estético. Mas diz Dickie que isto podia
ter sido alcançado de outro modo, pois bastava atribuir fieldade às
obras consideradas feias, mantendo-as como obras.
O Cognitivismo.
E novamente, sendo que a arte
pode ser sobre alguma coisa, ela também pode ter o seu valor como
fonte de entendimento e conhecimento, pois também podemos aprender e
apreender informação com a arte. Diz G. Graham que no cognitivismo
estético por exemplo, existe de certo modo a tentativa de conceber a
arte como detentora de verdades importantes. Porém deve notar-se que
não se trata de verdades demonstrativas, proposicionais e gerais
sobre o modo como as coisas são. Trata-se mais de percepção e de
profundidade aplicada ao nosso entendimento da experiencia, que
traduz o ideal que diz: conhece-te a ti mesmo. Em favor da teoria da
arte como entendimento, temos a perspectiva de uma relação de arte
com a vida, com a realidade e com o mundo, como sendo um tipo de
unidade de forma e conteúdo externa, mas acima de tudo interna. Pois
trata-se do meu mundo e da minha realidade, das coisas que eu nele
experimento. Não é o mundo natural da ciência, mas o mundo da
natureza e da condição humana. E por tudo isto, concordo com o que
diz Graham: “…devemos ver o cognitivismo como uma teoria
normativa, uma teoria sobre o valor, mais do que sobre a essência da
arte. “ (p. 95) Ou seja, mais do que como uma teoria de definição
necessária e suficiente que contém um denominador comum universal.
Mas o cognitivismo é também uma teoria elogiosa que distingue as
boas das más obras, pois “… o que o cognitivismo em arte explica
é o sentido em que algumas obras de imaginação criativa são mais
profundas do que outras…” (ibid)
- Contra a definição de Arte: Wittgeisnteinismo e M. Weitz.
A partir dos anos 40,
Wittgeinstein na sua segunda fase, interessou-se pela nossa
possibilidade de definir ideias e conceitos. E a este respeito, ele
diz que no método tipológico aristotélico, nós procuramos para o
conceito de uma espécie, aqueles termos específicos dos géneros
mais próximos a essa espécie, ou seja, a diferença específica que
define a espécie. Sendo que um aspecto inerente a todas as
definições, é que todos os membros de um conceito ou de uma
espécie, participam de um elemento comum, isto é, daquilo que todos
os elementos do conceito têm em si. Mas neste sentido, Wittgeinstein
identifica a existência de conceitos abertos que escapam a uma
fixação do elemento comum, como por exemplo o conceito de jogo. E
neste sentido, ele chega á conclusão de que nós partilhamos uma
forma de vida comum, o que significa que somos influenciados por uma
serie de regras que regulam os jogos da linguagem. Consequentemente,
ele percebe que há uma forma de vida que regula os nossos jogos de
linguagem. Ou seja, que há uma teoria dos significados do uso dos
conceitos, que tem um significante precisamente de acordo com o uso.
E assim sendo, entre os imensos jogos da linguagem da arte, existe
igualmente um jogo da linguagem da arte que identifica o que é a
arte do mesmo modo, através do uso que depende de um método que se
baseia nas semelhanças, as quais ele define como sendo os ares de
família. Que é como quando distinguimos e vemos as diferenças
entre pessoas da mesma família. Dai os ares de família de vários
objectos da mesma família que têm semelhanças familiares. Ou seja,
nós estamos habituados a um paradigma linguístico que nos permite
identificar os conceitos, mas de uma forma não rigorosa.
Diz-nos Carrol que a teoria
representativa da arte, o neo-representacionalismo, a teoria
expressionista e expressivista, a formalista, a neo-formalista e as
teoria da experiencia estética, são todas elas tentativas de
fornecer uma maneira de analisar o conceito de obra de arte por meio
de uma definição, que proponha as condições necessárias e
suficientes para que algo seja visto como uma obra de arte. Mas todas
fracassaram. Daí que surgiu a posição do Neowittgeinsteinismo com
a profunda convicção de que a arte seria necessariamente
indefinível. Contra todas aquelas teorias essencialistas, eles dizem
que o erro consistia precisamente em tentar definir a arte de forma
essencial, na procura de condições necessárias e suficientes, pois
para eles, o conceito de arte, assim como muitos dos nossos outros
conceitos, deve ser aplicado com base nas semelhanças.
Ele explica que o argumento do
conceito aberto formulado por Morris Weitz, tem como fundamento, o
facto de que a arte ou a sua prática está sempre aberta a mudanças
revolucionárias. E que por isso a arte deve acomodar a permanente
possibilidade de mudança, expansão e inovação, para que assim o
conceito de arte tenha sempre espaço para os artistas fazerem algo
de novo, pois a incompatibilidade daquelas condições necessárias e
suficientes colocam sempre limites. E por isso o conceito de arte não
pode ser fechado, pois deve ser aberto para ser coerente com aquela
constante criatividade artística inovadora. Logo, consequentemente
qualquer tentativa de definir a arte falhará necessariamente, até
por uma questão de lógica. O que acontece, é que os filósofos
propõem uma teoria, que numa determinada altura da história se
aplica naquele momento às obras criadas, mas quando os artistas
contemporâneos adquirem o conhecimento da teoria, começam a criar
obras de arte que confundam essa teoria. Então, as teorias negam o
estatuto àquelas novas obras criadas. Mas porém, à medida que a
história da arte avança, aquela obra passa a ser aceite e encarada
como uma obra-prima. Então a teoria cai por terra e é descartada.
Ou seja, as teorias procuram limitar o conceito e os artistas
empenham-se em ultrapassar os limites. A conclusão é que o conceito
de arte é mais complacente com os artistas do que com os teóricos
de arte, precisamente porque a arte é um conceito aberto. Então,
como modo de identificação e não de definição da arte, surge o
método das semelhanças familiares, que diz que nós identificamos
uma obra de arte em termos das suas semelhanças paradigmáticas,
pois em certos aspectos ou características, uma obra partilha certas
semelhanças com certas obras de um paradigma ou movimento artístico,
e certas semelhanças com outros paradigmas, numa acumulação de
semelhanças familiares entre um candidato a ser obra de arte e uma
família, estilo, movimento ou paradigma já existente, que ainda
assim, sendo já existente, tem sempre a capacidade de incluir um
novo trabalho vanguardista. O método das semelhanças familiares foi
retirado das investigações filosóficas de Wittgeinstein, que numa
análise aos vários tipos de jogos, chega à conclusão de que nos
jogos, não existem características perceptíveis que representem
condições necessárias para se determinar o que é um jogo. Ele diz
que nós apenas reparamos se um determinado jogo se parece ou não em
aspectos relevantes, com algo que nós já vemos num outro jogo como
sendo um paradigma de jogo. Ou seja, para os Neowittgeinsteinianos a
arte é como uma família. E a pertença a essa família é decidida
em função das várias dimensões possíveis de semelhanças. Ou
seja, procuramos entre as novas obras e os nossos múltiplos
paradigmas, os traços de semelhança, em várias dimensões que
sejam dignos de nota. E em todas estas relações possíveis, á
medida que o número de correlações aumenta, a classificação do
novo trabalho torna-se inevitável. E assim, esta abordagem
oferece-nos uma explicação de como somos capazes de reconhecer a
arte, através do método das semelhanças familiares, e apresenta o
argumento do conceito aberto para consolidar a sua posição contra
aquelas abordagens definidoras. E se a abordagem definidora assenta
em propriedades comuns, que supostamente definem essencialmente o
fenómeno, a abordagem das semelhanças familiares, depende de traços
de afinidade que são descontínuos mas entrelaçados. Então, o
argumento do conceito aberto rejeita as definições essenciais de
condições necessárias e suficientes. E assim sendo, o método das
semelhanças familiares seve para identificarmos e classificarmos
objectos como arte. Sendo que deste modo, esta perspectiva recupera e
reabilita as anteriores teorias da arte, pois considera que ainda
assim, elas são contribuições para a crítica da arte. O problema
é ser muito abrangente e inclusiva pois parece que tudo pode ser
arte. Mas após uma pausa, entre os anos 50 e 70 de tentar definir a
arte, de seguida entre os anos 70 e 80 surgiram gradualmente novas
definições que tentam colmatar aquele conceito demasiado aberto.
- Teoria Institucional da Arte de G. Dickie.
N. Carrol explica que G. Dickie
desenvolveu a sua própria teoria institucional, como sendo a teoria
do círculo da arte. Ele explica que para aquelas semelhanças serem
verdadeiras semelhanças, tem de haver algum mecanismo subjacente de
herança genética, uma génese que sendo a origem das semelhanças,
é crucial para o estatuto do candidato a ser obra de arte,, porque
mesmo que duas pessoas exibam as mesmas propriedades, nós não
dizemos que elas pertencem á mesma família apenas com base em meras
semelhanças. Nós só dizemos que pertencem quando estão
geneticamente ligadas. Ou seja, o que determina a pertença a uma
família, são propriedades subjacentes não manifestas e não as
meras semelhanças perceptíveis pela simples observação. Mas
contudo, as obras não são produto de genes, a sua origem é social
e não biológica, pois elas são geradas num contexto social, onde
as actividades do artista e do público se regem por certas regras
sociais subjacentes. E essas relações sociais, não são algo que a
obra de arte exiba, não são detectáveis pela observação, pois
são relações sociais não manifestas e não exibidas. Ele diz que
o defensor da teoria institucional chama à prática social em causa,
o mundo da arte, uma instituição social com regras e procedimentos.
E assim sendo, os candidatos são obras de arte porque respeitam
certas regras e procedimentos do mundo da arte. Ou seja, uma obra de
arte é originada pela observância das regras e dos procedimentos
relevantes. Então surge uma nova definição:
“X é uma obra de
arte no sentido classificatório se e só se (1) X for um artefacto
(2) sobre o qual alguém age em nome de uma determinada instituição
(o mundo da arte) conferindo-lhe o estatuto de candidato à
apreciação.” (p.253)
Carrol explica que esta teoria
não comete aquele erro do Neowittgeinsteienismo de que tudo é arte,
pois ela tem duas condições necessárias e suficientes. Mas no
entanto, ela também é abrangente de toda a arte possível, pois
permite que qualquer tipo de objecto possa ser uma obra de arte,
desde que seja proposto em conformidade com um procedimento adequado.
E assim sendo, ela não impede nenhuma experimentação ou inovação
artística. O candidato a obra de arte apenas tem de ser um
artefacto, mas em sentido bastante lato, pois pode ser uma
performance ou um readymade. Mas é importante notar, que uma coisa
só é uma obra de arte se tiver o estatuto de candidato á
apreciação, estatuto que lhe é conferido pelas pessoas que atuam
em nome da instituição do mundo da arte. E assim, deste modo, a
concessão do estatuto é um procedimento, pois um artefacto passa a
ser uma obra de arte quando alguém que age em nome do mundo da arte,
lhe confere o estatuto de candidato a apreciação. E neste sentido,
são habitualmente e na maioria dos casos, os próprios artistas que
conferem o estatuto de candidato à apreciação, ao criarem os
objectos ou artefactos e expondo-os ao mundo, para que as pessoas os
possam apreciar, avaliar e compreender. Contudo, em determinadas
situações, a pessoa que confere o estatuto, pode não ser quem o
criou, pois podem ser outros a desempenhar esse papel ou função.
Pode ser um curador, um crítico, um agente do artista, um galerista,
etc… a eleger um objecto como sendo um candidato à apreciação e
a pô-lo em exposição. É importante notar que o artista não
confere o estatuto de obra de arte ao seu artefacto, pois ele apenas
confere o estatuto de ser candidato à apreciação, pois o candidato
é apresentado e proposto para apreciação, mas isso não garante
que seja apreciado pelo público. Mas o que é importante nesta
teoria, é que esta interacção acontece num contexto social com
regras e papeis sociais subjacentes, numa rede institucional de
relações que torna possível a produção e o consumo
inter-relacionados de obras de arte. Na maioria das vezes é pois o
artista que confere um estatuto ao artefacto em nome do mundo da
arte. Mas esta autoridade é como a de um professor de filosofia ou
de comunicação e arte, que em função do seu conhecimento dessa
mesma área, avalia se uma proposta de tese, é ou não um problema
filosófico ou de comunicação e arte, da mesma forma que um
cientista ajuíza com base na sua experiencia, se uma proposta de
investigação é pertinente. Isto porque no mundo da arte, os
artistas têm a base necessária de conhecimentos, de compreensão e
de experiencia, tal como os críticos de arte, filósofos de arte,
coleccionadores, galeristas, etc… ou seja, os artistas criam e
propõem candidatos à apreciação com entendimento, com
conhecimento de causa e com a experiencia que lhes dá a autoridade
para conferirem estatuto a artefactos, em nome do mundo da arte. Foi
o que fez Duchamp com a fonte. Mas um canalizador que apresente a sua
colecção de loiça sanitária, não tem autoridade para agir em
nome do mundo da arte, pois nada sabe sobre arte e não propõe as
suas peças com base num entendimento da teoria e da história da
arte. Ou seja, é o entendimento da arte, da sua história e das
teorias e práticas vigentes, que podem habilitar uma pessoa a agir
em nome do mundo da arte como alguém que confere o estatuto de
candidato à apreciação.
G. Dickie, na antologia de Victor
Moura, fornece um pequeno dicionário. Uma explicação da arte que é
por ele mesmo aceite como sendo claramente circular [não viciosa]
pois revela a natureza inflectida da arte, uma natureza cujos
elementos se curvam, se pressupõem e suportam uns aos outros: 1) Um
artista é uma pessoa que participa, com conhecimento de causa, na
produção de uma obra de arte. 2) Uma obra de arte é um artefacto
de uma espécie criada para ser apresentada a um publico do mundo da
arte. 3) Um público é um conjunto de pessoas que estão preparadas
, em certo grau, para compreender um objecto que lhes é apresentado.
4) O mundo da arte é a totalidade dos sistemas do mundo da arte. 5)
Um sistema do mundo da arte é um enquadramento para a apresentação,
por um artista, de uma obra de arte a um público do mundo da arte.
A teoria institucional não é
pois elitista ou anti democrática, pois qualquer pessoa com
conhecimentos, experiencia e entendimento apropriado, pode tornar-se
um agente do mundo da arte. Mas esta é uma teoria classificatória
da arte, não é elogiosa, pois aceita a existência de má arte ao
considerar que qualquer coisa ou artefacto possa vir a ser arte. No
entanto, ela classifica se é ou não, mas sabe muito bem que difícil
é criar arte que seja efectivamente digna de apreço. E sendo que as
anteriores filosofias da arte anteriores negligenciam a génese
social das obras de arte, este pormenor dá à teoria institucional
um maior alcance no que respeita á identificação da arte. Pois se
as teorias anteriores focavam-se sobretudo nas propriedades
intrínsecas dos objectos, a teoria institucional sublinha uma
prática social com regras e papeis atribuídos, que está na base da
apresentação dos objectos. Carrol diz-nos que a segunda condição
da versão da teoria institucional, tem de dizer que X é criado e/ou
apresentado com entendimento artístico por parte de uma agente, mas
a um público que esteja preparado para o compreender artisticamente.
Mas o problema é que estas propostas, anulam a possibilidade de a
arte poder ocorrer fora de uma rede de práticas sociais. E por isso
mesmo, a arte não pode exigir uma prática social como condição
necessária, pois pode haver casos de artistas solitários, que criam
obras únicas fora de qualquer instituição ou fora de qualquer
contexto de entendimento que assente em práticas sociais. Para mim é
importante saber, se toda a arte terá que surgir necessariamente de
uma rede pré existente de relações sociais.
- Teoria da Definição Histórica de J. Levinson.
J. Levinson propõe definir a
arte historicamente. E N. Carrol explica-nos no seu livro que um dos
principais pontos de discórdia, no que diz respeito às teorias
institucionais da arte, é a questão de saber se a arte pode ser
produzida por um artista solitário, que opere fora de qualquer
instituição prática ou fora de qualquer relação social. É que a
teoria institucional, rejeita essa possibilidade, pelo facto de os
seres humanos serem seres culturais e a arte fazer parte da sua
socialização. É a ideia de que a criação artística exige um
conhecimento que não é inapto mas socialmente adquirido, pois toda
a obra nasce de uma prática social da qual o artista retira os
recursos conceptuais e as técnicas artísticas básicas para
produzir a obra em causa. Então, dada a natureza humana da nossa
natureza social, é uma impossibilidade pratica que qualquer pessoa
crie arte fora de um contexto de práticas sociais. Porém o
adversário da teoria institucional, argumenta que mesmo que seja uma
impossibilidade pratica, é no entanto uma possibilidade lógica. Dai
que podemos imaginar sociedades sem arte, com uma cultura tipo a de
um homem neolítico solitário, que se lembra de combinar pedras
bonitas com o intuito de retirar prazer visual, sem no entanto
partilhar essa descoberta com outros. E Carrol explica muito bem que
é esta crítica o ponto de partida para a definição histórica da
arte de Jerrold Levinson, que vai admitir a possibilidade de alguém
poder criar um artefacto, à maneira deste tipo de homem solitário,
sem que tivéssemos qualquer dificuldade conceptual, em ver o
artefacto como uma obra de arte, mesmo que o homem não possui-se o
conceito de obra de arte na sua bagagem cognitiva.
Diz-nos Carrol que segundo o
defensor da definição histórica, o que nos permite considerar
aquele artefacto como arte, é a intenção do criador ao produzir,
mesmo que seja uma simples combinação de pedras, pois se a sua
intenção era gerar prazer visual, então já é um bom motivo para
criar arte, sendo essa intenção um procedimento já conhecido e
artisticamente relevante no decorrer da história da arte. E por isso
mesmo, chama-se definição histórica a esta abordagem, porque
relaciona os candidatos com a história da arte. Então, uma coisa só
é arte, se for feita com a intenção de promover uma das muitas
visões da arte que tenha bons precedentes já surgidos e visíveis
no decurso da história. É este princípio que dá coerência a este
conceito de arte. Dai que todas as obras de arte, compartilham
necessariamente algumas visões de arte que têm aquilo que podemos
chamar bons precedentes. Então, esta abordagem, centra-se numa
propriedade artística que não é manifesta no próprio artefacto
que é candidato a ser obra de arte, mas antes, centra-se na intenção
artística de submeter os objectos àquelas reconhecidas visões da
arte. Mas também aqui, esta propriedade é uma componente genética
da obra, pois a génese está na intenção do artista, que ao
promover visões da arte já reconhecidas, explica deste modo o
motivo pelo qual o objecto é arte. E esta intenção pode estar fora
de um contexto social, desde que seja vista como tendo em si bons
precedentes históricos. Ou seja, a intenção de que X seja visto
como obra de arte, será considerada artística, apesar do
desconhecimento do artista em causa, desde que ela se encaixe, numa
visão que tenha bons precedentes históricos. O artista não tem de
ser membro de qualquer mundo da arte. E assim, esta definição
histórica da arte, é uma explicação do conceito de arte que pode
aplicar-se a artefactos que estão fora da definição, isto é, que
sejam produzidos em contextos onde não existe qualquer conceito de
arte, qualquer mundo da arte ou de práticas artísticas. Mas como
diz Carrol, a intenção tem de ser séria, a intenção tem de
exercer bastante influência ao longo de todo o processo de criação,
pois a sua influência deve emanar por toda a obra. É importante
notar, que quando o defensor da teoria institucional fala de
artefactos criados e acolhidos com entendimento, o que no fundo tem
em mente é a compreensão dos modos correctos ou adequados de olhar
as obras de arte. E este conhecimento provém da história das artes,
para que se possa discutir se as definições da arte são ou não
adequadas, e quais as maneiras adequadas de encarar as obras.
Diz ele que há duas formas de
alguém poder apresentar um objecto para ser visto como uma obra de
arte. Ou de modo indirecto, isto é, através da história da arte,
de como a arte já foi vista no passado fazendo parte de uma prática
social em curso. Ou directamente, apenas com a intenção de que a
obra seja vista, como um modo de alguma forma reconhecida de olhar a
arte. E deste segundo modo ninguém tem de conhecer a história da
arte, nem sequer de saber que o olhar em causa é uma visão da arte
com bons precedentes históricos. E assim o artista já não tem que
ser membro de uma prática social vigente, pois tem a intenção
directa de que a obra seja vista como uma obra de arte, apesar de
nada saber sobre a tradição da arte. A definição histórica tem
duas condições necessárias.
Ela diz que “X é
uma obra de arte se e só se X for um objecto acerca do qual é
verdade que alguma ou algumas pessoas (1) que têm direito à
propriedade de X (2) tiverem a intenção efectiva de que X seja
visto como obra de arte – isto é, que seja visto da mesma forma
que outros objectos já abrangidos pelo conceito de obra de arte são
normalmente encarados.” (p.269)
E a crítica mais evidente a esta
condição de propriedade, é que ela exige que o artista tenha
direito de propriedade sobre a obra de arte, mas os grafites por
exemplo, não possuem esse direito. Logo, não é uma condição
necessária. E quanto à condição necessária da intenção
subjacente do criador, a intenção de oferecer ao objecto uma
qualquer visão reconhecida da arte, o critico nega que estas
intenções sejam sempre necessárias, pois independentemente das
intenções do artista, um objecto pode ser utilizado para servir uma
função artística historicamente reconhecida. E assim sendo, temos
uma intenção não necessária versus uma função, sendo aquela
afirmação central da intenção controversa. E neste caso o ónus
da prova está do lado do defensor desta definição histórica.
- Teoria da Narração Histórica (contra a definição) de Noel Carrol.
O método que se segue é a
narração histórica do próprio N. Carrol, que não passa nem por
nenhuma definição, nem pelas semelhanças familiares do
Neowittgeinsteinismo. Diz ele que já sabemos que todas as teorias
tentam responder ao conceito de arte com a aplicação de uma
definição essencial, pois procuram essências, as condições
necessárias e suficientes para o estatuto de arte. E assim
identificamos os candidatos integrando-os numa definição. Ou seja,
a arte é um conceito com condições necessárias e suficientes que
é aplicado a casos particulares. Mas como vimos, para os
neowittgeinsteinistas o conceito de arte é aberto e não deve ser
entendido segundo o modelo da definição com condições necessárias
e suficientes, mas devemos aplicar o conceito de arte através do
método das semelhanças familiares. Mas diz-nos Noel Carrol, que
quando existe uma dificuldade evidente, ou um fosso, entre uma obra
candidata que seja vanguardista e um corpo de obras já existentes,
que possuem uma tradição de uma forma de criar e pensar, para
transpor esta dificuldade, a forma habitual é produzir um certo tipo
de narrativa histórica, que ofereça uma sequencia de actividades,
de pensamento e de criação, para assim se colmatar aquela
distancia. Ou seja, quando há dúvidas, aquele que propõe o
candidato, normalmente contra argumenta contando uma história que
liga a obra em causa a praticas e contextos de criação artística
precedentes, para que a obra possa ser vista como o resultado
inteligível de modos de pensar e criar, que sejam já vistos na
generalidade como modos artísticos. E o que diz Carrol é que isto
implica contar um certo tipo de história sobre o trabalho em
questão. Uma narrativa de como a obra foi produzida. Uma narrativa
como sendo uma resposta inteligível que se relacione a uma situação
histórica da arte, acerca da qual, já existe um consenso
relativamente ao seu estatuto de arte. Ou seja, na narrativa, é
importante salientar o contexto histórico em que a obra surgiu. E se
possível, contar uma narrativa histórica que torne inteligível o
aparecimento da obra como resultado de uma decisão racional, que
pertence às práticas do mundo da arte, para assim estabelecer o
estatuto da obra. E a novidade é que esta resposta não é uma
definição, mas uma explicação. Pois não produzimos uma definição
para aplicar ao caso em questão, mas em vez disso, procuramos
explicar porque o candidato é uma obra de arte, através de uma
narrativa histórica, que se for rigorosa e razoável, bastará para
decidir se o candidato é uma obra de arte. E para isso, apontamos
para as precedentes práticas e propósitos do mundo da arte,
incluindo as razões por detrás das escolhas do artista.
Clarificamos um candidato como obra de arte situando-o numa tradição,
e se possível, demonstramos que a obra de arte é o prolongamento de
uma reconhecida tradição artística. E uma das vantagens desta
abordagem, é ela ser sensível aquela tendência que a arte tem,
para evoluir por caminhos frequentemente imprevisíveis, uma vez que
a narrativa é ela própria uma ferramenta para tornar a mudança
inteligível. E assim, esta teoria procura lidar com os aspectos
evolutivos da arte, tratando-os como se fossem uma conversa, uma
comunicação. Porém, o problema da arte vanguardista, é que alguns
dos observadores interlocutores da obra e do artista, por vezes, para
além da originalidade da obra, não conseguem captar a sua
relevância. Então, dá-se uma falha de comunicação. Mas neste
caso, considera Carrol que a solução é reconstruir a conversa,
para que a importância da contribuição do artista, seja então
posta em evidência, para que os elementos antes ignorados sejam
percebidos, e assim as intenções do artista sejam explícitas e
inteligíveis. E nesta abordagem comunicacional de narrativa
histórica, as correspondências estabelecidas com outras tradições
artísticas, devem mostrar, fazer parte do desenvolvimento narrativo,
como um processo de causa e efeito, de influências, de decisão e
acção, etc… e assim, as obras vanguardistas contemporâneas,
classificam-se em virtude dos seus antepassados, sendo a descendência
explicável por meio de uma narrativa genológica. Pois a pertença à
categoria da arte como pertença a uma espécie, também parece ser
uma questão de linhagem. E assim, a forma de identificar artefactos
como obras de arte, é explicar a sua genealogia através de uma
narrativa histórica e não de uma definição. E esta narrativa
identificadora é pois uma narrativa histórica que se empenha em ser
exacta, pois tem um princípio, um meio e um fim. Sendo que o fim da
história, acaba por ser uma descrição da produção ou a própria
apresentação do candidato ao estatuto de arte. Sendo que o inicio
da história, implica sempre algum contexto artístico e histórico
como base. E o meio da narrativa, liga o começo ao fim e estabelece
uma linguagem entre ambos. E assim evita-se a circularidade da teoria
institucional, pois a circularidade é um defeito das definições e
não das narrativas, sendo que estas últimas não invocam sequer o
conceito de arte. Para além de que este método, também inclui o
elemento da pratica da arte e da intenção artística, de promover
visões de arte, neste caso sem utilizar uma definição histórica,
mas uma narrativa histórica.
Mas eis que também aqui, o
problema maior é como incluir o conceito do artista solitário, que
socialmente não integrado, não viva no mundo da arte, nem tenha
qualquer intenção de prática social. O argumento de Carrol é que
ainda assim, uma narrativa identificadora oferece sempre uma condição
não necessária mas pelo menos suficiente. E que se a obra de um
artista verdadeiramente solitário, é arte, então pode haver
motivos excepcionais para lhe conferir esse título.
- Uma outra classificação Filosófica das correntes Estéticas.
Terminamos com o rumo actual das
teorias, mas podemos fazer uma outra síntese do livro de D. Huisman,
que nos diz que apesar do carácter redutor das classificações
filosóficas, podemos distinguir 4 correntes importantes: a
positivista, a idealista, a crítica e a libertária. Mas que aquela
que resume todas as clássicas anteriores a estas 4, e que anterior a
estas 4 já as anunciava a todas, é a estética de Nietzsche. Aquele
que é um dos meus pensadores preferidos. Nietzsche acaba com a arte
vazia de vontade, como ópio ou como evasão e faz uma verdadeira
revolução cultural. Abre uma múltipla perspectiva de intensidades
e de desejos. “ já não é a teoria que pensa a arte, mas a arte
que engloba a teoria” (p.52).
D. Huisman diz-nos que as
estéticas positivas utilizam métodos tão rigorosos quanto os das
ciências, com critérios precisos de esclarecimento e linguagem
discursiva não intuitiva. Como uma botânica aplicada às obras de
arte. Uma estética experimental que imita os físico-químicos, que
analisam um corpo para o reduzirem aos seus elementos simples. E que
neste contexto nascem os estruturalismos e os sistemas linguísticos
estéticos como uma ciência da expressão. E uma certa sociologia
mecanicista que diz que as obras de arte, condicionadas pelas infra
estruturas económicas, são meros reflexos das super estruturas
ideológicas. Mas que estas estéticas também falam em análises
semânticas e em historicidade.
E quanto às estéticas
idealistas, Huisman diz-nos que estas afirmam uma maior
subjectividade e tornam-se mais filosóficas. Que procuram
compreender os fenómenos da criação, da contemplação e da
interpretação. E que são mais intuitivas e reflexivas, pois
procuram os significados das obras, abdicando de grelhas de
descodificação. Ele refere Ruskin, que disse que a arte é o
princípio de uma vida espiritual ameaçada. E que por isso nunca
deixou de denunciar e de combater a organização daquela sociedade
industrializada. Refere Bergson, diz que toda a sua obra é uma
vontade de conhecer esteticamente o mundo. E que tal como Nietzsche,
é um filosofo artista por excelência, pois também ele estetizou a
filosofia. Refere também que para Etienne Souriau, a arte é o grau
mais elevado do saber filosófico, pois só ela exprime os
informuláveis. A arte seria a dialéctica da promoção anafórica,
ou seja, do processo ordenado de uma marcha progressiva em direcção
à plena existência e presença do ser. Huisman refere que a
fenomenologia renovou a estética filosófica e que M. Ponty na sua
ontologia, diz que ao ligar a coisa ao ser, o artista torna visível
a unidade primordial do corpo e do mundo. Mas Huisman termina a dizer
que a história confronta-se com esta confusão do sentido do
discurso, com o primado das estruturas, com a anunciada morte da arte
e do homem. Diz que estas estéticas conservam a ambiguidade da arte,
mas encerram-na nas essências e leis intemporais.
Quanto às estéticas críticas
ele começa por dizer, que tal como o individuo, também a arte está
ameaçada a desaparecer. Não por se ter relacionado com a vida, mas
devido ao excesso de racionalidade do iluminismo e ao seu domínio
total. O totalitarismo industrial instalou-se e a arte é
mercantilizada e reduzida por todos os meios. Então, a estética
crítica quer de alguma forma salvar a negação da arte. Ele refere
que para W. Benjamin, a aura da obra está destruída pelo valor de
troca do mercado da arte e pela sua reprodução massificada dos
originais, que por uma lado, quebra os privilégios de certas
classes, mas por outro, favorece a mera mercantilização das obras.
Diz Huisman que esta ambivalência produz uma contradição na
estética critica, pois ela preocupa-se em conservar os valores do
individualismo, sendo que ao mesmo tempo quer denunciar o caracter
repressivo das ideologias dominantes e dos seus falsos discursos. Já
T. Adorno, é o mais resistente de todos os teóricos críticos. O
seu próprio estilo de escrita rebelde, não sistemática e de
difícil acesso, revela em si mesmo a sua preocupação em preservar
o individuo e a obra de arte enquanto individualidade e originalidade
irredutível, contra os totalitarismos burocráticos e mercantis.
Pois para ele a autentica arte pós estruturalista ou pós moderna,
desloca as totalidades fechadas, dos sistemas ou estruturas
ideológicas e dos seus núcleos. Para Adorno a totalidade não é o
preenchimento do espirito mas a morte do individuo, da singularidade
e da subjectividade. A verdade do paraíso da sociedade de consumo e
da indústria cultural, está coberta pelo verniz dos discursos sobre
a arte, que a reduzem a uma mera aparência ou ilusão. Esta
dialéctica negativa de Adorno tenta destruir o falso consenso da
totalidade, mas permite que a realidade da arte testemunhe que um
outro possível existe, pois ainda que sendo exigente, negativa e sem
compromisso, ele permite que as noções de grande obra e de
autenticidade conservem o seu valor, que é ameaçado por todos os
lados. É interessante que quando Huisman refere que Adorno permite
honrar a arte com a imensa carga do qualquer Outro no mundo do Mesmo,
deve estar a referir-se a Foucault e aos seus estudos da exclusão do
Outro pelas acções da estrutura do Mesmo. E quanto a H. Marcuse,
também ele um adepto da teoria critica e membro da escola de
Francoforte onde conviveram todos estes filósofos, Huisman diz-nos
que as suas preocupações centrais são as de uma civilização não
repressiva, na qual a supremacia seria a beleza e não a
racionalidade. E onde a pulsão da vida e o desejo, libertos da lei
do lucro, sublimaria a sexualidade através de livres criações. E
refere que Marcuse sublinha a importância e necessidade de uma
mutação estrutural na percepção e na acção. E que numa crítica
à estética Marxista, Marcuse afirma que a arte é a ultima
transcendência para todos estes problemas. Diz Huisman que todas
estas estéticas críticas de Francoforte, deixam na arte
contemporânea uma impressão de inquietude, negativismo, mas também
de um hermetismo. W. Benjamin por exemplo, afirmou que é devido aos
que estão sem esperança, que a esperança nos é dada.
Quanto às estéticas libertárias
que se seguem, diz-nos Huisman que quanto mais as estéticas criticas
negativas se conservarem e tentarem manter as dicotomias
sujeito/objecto e ideal/real, etc… tanto mais as estéticas
libertárias serão afirmativas e subjectivas, libertando o desejo
que abre a dança dos possíveis infinitos na imanência das
estéticas da criatividade. Huisman refere que M. Dufrenne introduz o
conceito de força e de percepção selvagem. E que o homem em
contacto com estas energias, promove uma estética afirmativa do
desejo e do imaginário em liberdade. Mas que Dufrenne também
introduz natureza, inspiração, espontaneidade, o prazer da
criatividade e a instituição artística. Ele diz que é a arte que
estimula a vida e introduz nela a felicidade, a fantasia e a loucura.
Mas que estas estéticas são também a contestação total da arte
instituída, pois surgem os happening e uma série de movimentos que
tentam deslocar o local espacial e teórico por onde a arte se
costuma manifestar e representar. As estéticas deslocalizam-se,
iluminam-se aqui e ali em núcleos de criatividade, deslocam-se
perspectivas etc… trata-se mais de matrizes de criatividade do que
de teorias da arte ou ciências das formas, saberes positivos ou
sistemas de classificação. Diz Huisman que se trata mais da
expansão do conceito arte do que da sua definição. É a deslocação
da suposta verdade da tradição teórica que perpetua o poder e os
falsos discursos. Diz Huisman e muito bem que reencontrámos
Nietzsche, para quem a verdade é uma ficção fabricada pela
linguagem, e as ciências exactas engenhosas premissas bem-feitas.
Ele diz que a partir daqui a actividade teórica é actividade
artística, pois pensar é um género de arte. E por fim, Huisman
cita Gilles Delleuze e Féli Guattari, que dizem: é isto o estilo,
ou antes, a ausência de estilo, a assintaxia, a agramaticalidade,
momento em que a linguagem deixa de se definir pelo que ela diz ou
significa, mas antes pelo que a faz correr, fluir e eclodir, ou seja,
o desejo. A arte é pois mais um processo e não um fim, uma produção
e não uma expressão. A própria hermenêutica torna-se caduca e se
quisermos também a própria interpretação de artefactos. O sentido
não tem mais o tempo e este não tem mais sentido. Huisman termina
assim: é inútil prever a estética do futuro, pois cada uma
representa uma tendência e uma possibilidade da época em aberto. E
deixa algumas questões pertinentes: se a estética se adorna cada
vez mais com a ciência, qual virá a ser o estatuto e a função da
ciência? Se a estética se refugia no idealismo ou na posição
critica, a que crueldade pretende ela escapar? E se como libertária,
ela se estilhaça em mil direcções e se deseja sem limites, como
será a arte na rua e a beleza e fantasia no dia-a-dia da vida? Mas
se a estética fluir por todas estas correntes e outras, não será
para perpetuar o indefinido jogo do mundo e assim ser ainda mais fiel
ao seu próprio objectivo que é a arte?
- A criação.
Acerca deste tema, Huisman diz o
seguinte: toda a criação é, antes de mais, procriação. E de
seguida cita H. Delacroix:
Para ele, “o
parentesco do êxtase religioso e do êxtase artístico deve-se á
dosagem comum do sentimento de estar no coração do ser, de ser tudo
e á evidência de não ser nada, ao mesmo tempo horror do sublime e
calma da serenidade. A alegria é euforia, mas também é regozijo:
possessão e vazio, plenitude e consciência de uma carência,
totalidade e vacuidade, a alegria ri-se dos paradoxos que contém.”
(p.89)
De seguida Huisman cita as
características gerais ou factores universais do ato criativo de H.
Delacroix, que passo a explicar numa síntese: Diz ele que estas
características são a necessidade de ser original e semelhante a si
próprio, ao pôr em dúvida a visão do real numa espontaneidade que
revolucionária, observa a novidade que ninguém vê, numa
produtividade qualitativamente fecunda. Mas também o estar
interessado no que se faz, utilizando o poder criativo da imaginação
que transforma o real, ordenando as experiencias, alargando deste
modo o conteúdo da consciência, com uma atitude que repentina, em
simultâneo se relaciona com uma cogitação inconsciente ou semi
consciente e uma atitude reflexiva e consciente. (p.91)
- A minha posição Teórica como Pensador e a minha posição Pratica como Artista.
Quero desde
já afirmar que incorporo a posição de pensador anarquista
artístico psicoterapêutico continental. Mas vou explicar-me melhor.
Pensador pois considero ser um conceito bastante mais amplo e
profundo que o conceito de filósofo. Como pensador aprecio
ultrapassar os limites do próprio pensamento. Isto porque creio que
o verdadeiro pensamento acontece precisamente quando ele próprio se
esbarra em si mesmo. Será pois evidente o facto de eu secundarizar o
papel da lógica e da filosofia severamente analítica, assim como a
ideia de filosofia como sistema científico. Mas esta não é bem lá
no fundo uma posição radical, pois eu próprio luto constantemente
para acalmar os meus processos de análise constante. Isto é, não
optando por esta via, tenho a consciência de que sou bastante
racional e perfeccionista, mas também já conheço os vícios e os
limites da razão. Uso-a apenas quando necessário, mas não
adormeço, não vivo nem me alimento dela, pois prefiro acordar num
outro movimento. E artístico precisamente porque considero que
aqueles assuntos da filosofia que dizem respeito, quer ao
conhecimento quer á realidade, quer aos assuntos éticos da vida,
quer aos assuntos do homem e da sociedade, ou mesmo políticos, são
assuntos que já não se resolvem apenas dentro da sua própria
instância, sem que uma visão estética se adiante e se manifeste.
Mas isto não é a minha posição sobre o que é a arte, pois a arte
é precisamente o único mundo á parte. Mas posso esclarecer melhor.
É pois uma qualquer relação da arte com o meu anarquismo que por
superveniência se pode relacionar com a arte. Mas note-se, tal como
o ato criativo, que livre também reflecte conscientemente, um
anarquista também crê na ordem das coisas, a sua visão não é de
ausência de ordem. O desejo do caos e da desordem não é anarquia
mas anomia, sendo que o anarquista, apenas considera que o sistema
vigente e as suas estruturas não têm legitimidade para exercerem o
poder que exercem sobre as pessoas. E assim este meu anarquismo não
é o do capitalista selvagem, muito pelo contrário, é social, tendo
sempre em conta o bem individual e o bem comum. A liberdade que
encontro nesta posição crítica é semelhante aquela que encontro
na arte. Porém, a arte pode ser uma consequência prática onde o
homem artista se refugia e se tenta encontrar. E aqui já me posso
encaixar um pouco naquelas teorias histórico sociológicas da teoria
critica. Mas não em absoluto. Pois as libertárias do conceito
aberto predominam em mim. E estas só podem ser vividas na arte, por
enquanto. Pensador anarquista artístico psicoterapeuta porque a arte
para mim liga-se sempre de algum modo á nossa psique. E o próprio
desdobramento do artista no seu acto criativo é uma forma de auto
desenvolvimento e crescimento pessoal, para além de lidar com
aquelas forças sobrenaturais. E aqui relaciona-se a arte com o
inominável, o indefinível. Logo, mesmo que considerando ser as
teorias definidoras atraentes e úteis, são também secundárias e
inúteis para o artista. Note-se que eu apenas tento estruturar este
ensaio na medida do necessário, pois tento imprimir nele um rosto
mais espontâneo e livre. E agora de encontro às teorias e correntes
que analisamos, queria agora explicar a minha posição continental.
Mas não antes sem deixar de expressar o contentamento que estou
neste momento a sentir ao escrever este trabalho. Só queria poder
libertar-me um pouco mais e deixar vir ao de cima o ser mais poético
que existe em mim. Porém, algo me diz para me manter disciplinado e
estruturado neste momento. Mas continental teria que ser
evidentemente. Mas para explicar melhor dizer que através do
estruturalismo linguístico de Sausure, deu-se aquilo a que se
costuma chamar a linguistic turn, o momento em que a dimensão da
linguagem floresceu em muitas áreas mas especialmente na filosofia,
sendo a época em que a filosofia da linguagem emergiu no seu máximo
vigor. E nesse momento deu-se uma grande divisão de posições,
nomeadamente a posição anglo-saxónica e a continental. Os
primeiros consideram que a linguagem deve ser uma correspondência
exacta da realidade do mundo exterior. Os continentais consideram que
essa realidade é criada pela linguagem. Dai que os primeiros
tornam-se mais lógicos, analíticos e filósofos científicos
proposicionais, e os últimos mais criadores e livres, mais adeptos
da poesia, da literatura e da arte em geral. É esta a posição que
mais me fascina e melhor se adapta ao meu ser. Dai que tal como diz
Heidegger, existe um conhecimento originário anterior aquele
conhecimento meramente proposicional. A única e grande diferença
que existe em mim em relação aos meus mestres da filosofia, á
exclusão de Kierkgaard, é eu ser crente numa energia ou poder
superior. E considero que a experiencia e consciência dessas forças
do sagrado, está muito próxima da experiencia estética. No entanto
o conceito que tenho de um poder superior não diminui o conceito que
tenho de liberdade, pelo contrário, pois é nessa luta que reside
também o ato criativo entre as forças do mundo e outras que já vou
falar. Mas para ser mais claro, eu não sou institucionalmente
crente, pelo contrário, sou crítico tal como foi Nietzsche ou
Feuerbach. Creio que desta forma já declarei, argumentei e
explicitei que abdico de qualquer definição em absoluto para o
conceito de arte. Mas também quero apresentar a minha resistência à
sociedade e à história e assim abrir ainda mais o não conceito.
Vejamos. Depois da morte de Deus, inevitavelmente o homem
inventou-se, pois antes era apenas um reflexo daquele. Mas logo
morreu, pois esse humanismo não foi suficiente para o novo homem
nascer. Nietzsche percebeu isso muito bem e anunciou que o niilismo
iria continuar, pois as forças ainda não eram assimiladas na sua
totalidade. O eterno retorno de uma afirmação positiva era a sua
solução, porém Zaratustra também morre e Dionísio e a sua força
da natureza ficou por se cumprir. Resta-nos um super-homem que ainda
dá muito que falar. Ora, esse desdobramento de um homem novo, não
para além mas para aquém de nós mesmos, é um desdobramento que
vem na sequência do que já considerei. Foucault por exemplo, na
senda de Nietzsche, explica-nos que o sujeito morreu e o pensamento
vem de fora. Mas ele considera que vem de certas estruturas do saber,
que são os diversos conhecimentos de uma determinada época
histórica. Ele fala mesmo de um a priori histórico. Ou seja, a zona
de onde provem o saber é uma zona exterior. É pois o pensamento que
pensa por nós, pois fazemos parte de uma estrutura, de uma episteme.
Mas porém, na sua análise dos micro poderes, ele explica que eles
nascem imprevisivelmente das relações. Ora, eu penso que se
constroem através de afectos. Não é por acaso, a meu ver, que ele
de seguida investiga o tema da sexualidade e o relaciona com o poder.
Sinto que ele já procura uma forma de desdobramento do ser, na sua
tentativa de criar uma ética muito estética, que de alguma forma
reivindique para si uma possibilidade. Por isso ele se distancia do
estruturalismo e diz ser um pós modernista. Ele percebe que existe
uma brecha nesse a priori histórico e a meu ver deve perceber que é
uma dimensão que se encontra no mundo da arte. E por isso, sendo ele
um filósofo, ele também é um excelente literato, na linha dos
grandes pensadores, filósofos ou intelectuais artistas. Para mim,
este a priori é a dimensão privilegiada do artista. Esta força ou
poder que já havia anunciado Nietzsche, é aquele espaço vazio onde
um choque de forças aleatórias acontece. E este espaço, ou zona
intermédia, é muito mais profundo que a mera consistência
histórica e social. Ou seja, por baixo dessa visibilidade secundária
existe um autentico big bang de micro forças. E entrar nesta luta de
forças é criar ao modo continental. Mas a linguagem tem que morrer
e o pensamento também, para deixarem de ser pela história
determinados. Ora, isto não é fácil, assim como não é fácil a
vida de um anarquista. Mas é muito mais fácil para o artista que o
pensamento morra, do que para o filósofo. Por isso a maior parte de
filósofos secundarizam a arte, a religião, a hermenêutica, a
antropologia e a psicologia, e ficam-se ou apenas pela lógica
binária dos 3 princípios, ou dormitam na ciência empírica que
tudo observa ao pormenor. Esta tendência é geral. Mas parece-me que
hoje em dia, ser filósofo é ser artista. Pois é estar mais próximo
de dessa força apriorística, que vem do nada e sempre nos
surpreende através da arte, abdicando da realidade e da fantasia, da
verdade e da falsidade, do bem e do mal, da dor e da felicidade,
procurando acima de tudo, o ser desdobrado e multiplicado por entre a
própria criação, saboreando o momento, repousando na obra, imbuído
pelos estilhaços numa dialéctica na qual o artista dá de si e
recebe vida e liberdade. Nesse espaço ou dimensão, nascem novas
visibilidades e novos conceitos. Então, assim sendo, o homem é arte
e a arte é o homem. Por isso devemos olhar os outros como uma obra
de arte. Digo isto tendo em conta tudo o que já foi dito nas teorias
estudadas, ou seja, a experiencia da contemplação desinteressada
por exemplo, nesta dimensão seria praticamente inútil, pois não me
parece ser uma questão meramente estética, pois o outro é mesmo
uma obra de arte, existe em si mesmo como tal. Por isso o ser humano
pode recriar-se e transformar-se no super-homem. Mas sempre
inominavelmente, indefinidamente e indescritivelmente. São as
possibilidades sempre em aberto do nosso projecto de que fala
Heidegger e da tentativa de ser autêntico. A arte não é meramente
histórica, mas também não é uma essência, mas é o que é, como
nós somos o que somos e nada mais, por enquanto. A arte é sempre o
encontro daquele desencontro intemporal e aleatório imprevisível e
aleatório, por enquanto. A arte é o a priori em si mesmo que nós
tentámos descobrir, por enquanto. O homem não é necessariamente e
naturalmente sociável, mas originariamente é arte que se recria. O
homem a partir do momento em que se revê no outro, desintegra-se de
si mesmo e recria-se. Toma consciência da sua singularidade e
re-volta-se, des-dobra-se para si mesmo, para tentar quebrar o
feitiço e a influência do outro. Morre o homem e renasce o artista,
através do seu re-encontro. E só depois se tornará filósofo.
Responder aquela questão sobre o que é a arte, é responder a
pregunta sobre o que é o homem solitário e indefinível para quem
deseja uma definição. Pois para o homem que vive como sendo uma
obra de arte, a questão não se põe. Na arte o homem reflecte-se e
este reflecte-se na arte. O homem sente-se, imagina-se, pensa-se e
conhece-se, mas nunca se encontra essencial e verdadeiramente, pois
se assim fosse morria de novo, desintegrar-se-ia e a sua arte com
ele.
Bibliografia:
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antologia de Estética”, coord. Victor Moura, Braga: Húmus/CEHUM,
2009
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Perspectiva Analítica”, org. Carmo D’orey, Lisboa: Dinalivro,
2007
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Carrol, N. (2010) Filosofia da Arte,
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Huisman, D. (1997), A Estética,
Lisboa: edições 70