o destino embalsamado"

Um ser embalsamado, sentado moribundo. Um monstro
que alado e alienado, engana a presença
da morte e do destino. E eu
estremeço, com a tua suprema ternura.
À tua espera, vazio de ser, ensopado
cortado pelas lanças do teu sangue corrompido
memorizo, os rostos esquizofrénicos
daqueles que te adoram em modo zombie.
E aguardo, a tua próxima revelação
dorido por dentro, do teu de fora entroncado, fustigado
pelas cicatrizes por ti impostas.
Tardas em reconhecer-me como teu aliado.
Fazes bem. Temes que o teu próprio circular fatalismo
se realize em ti, através do meu irado e ressentido olhar.
Ainda assim, angustiado pelo teu absurdo
derreto-me em vísceras alternativas
para do teu cheiro me purificar.
Não enlouqueço, porque seguro nas mãos, internas
o meu coração, em pedra filosofal
e o teu meu cérebro, incandescente
em constante desconstrução permanente.
Sou bélico, não me amedronto com o teu degolar-me
pois retenho e conservo as forças aleatórias
neste vazio nocturno, imenso e ensolarado.
E o grito que me entala por entre as grades por ti erigidas
e por aqueles que se ajoelham a teus pés, é ainda silencioso
e vago, como vento que nos teus ouvidos moucos se instala.
Mas eis que ele é a dor que alguma verdade observa:
animais mortos, vivos sem alma, de-composições
que se arrastam por entre as luzes do teu altar.
É o grito insonoro daquela primeira palavra, mitológica
que pelos deuses outrora emitida, a tua contingência
ainda não abala. É o embalar do nada, que se abala
a si mesmo, mas não à raiz do meu ser.
Mas tu, castrado como poema sonâmbulo
cairás aos meus pés. E acordarás
com o bater das origens do meu néctar, avermelhado
coração não mais perdido pelas tuas armadilhas
que em vergonha roubam, a alma
dos génios vagabundos alados, que forasteiros povoam
o mortífero terror deste teu meu inferno real.
Arrepia-te, maldito destino. Morre-te.
Vai-te, filho de deuses encapotados.
Ou aproxima-te, ilusão que te apresentas realidade.
Ainda embalsamado, desdobrarei a pele duas vezes
e revelarei o desvelar profundo do meu ente em liberdade.
Assustar-te-ás, ou virarás filósofo de tanto espanto.
Vacilarás esses teus olhos míopes, cheios de temporalidade.
Sentirás a evidencia do infinito que zela pelos poetas e artistas.
Sinto-te raiva e loucura. Odeio as fenoménicas figuras
que em sádico detalhe, pelos dias me envias.
Só consigo amar as quentes luzes dos lampiões
que de amarelo sereno iluminam, a essência das minhas visões.
E amo os bancos inclinados de vermelho e cinza
que consolam, o meu corpo espiritual.
E as cadeiras negras, que na orla do meu existir
tranquilizam o fermento do meu temperamento.
Acaricio-as, com café negro e cigarros brancos.
Perdido na noite pelos jardins da morte, vaguei-o.
Amo a incondicionalidade e o devir dos meus passos
o turbilhão dos meus obscuros pensamentos, e a rigidez
dos sentimentos, que melancólicos lutam, com as estrelas
que cadentes emergem, na misteriosa aurora do amanhecer.
E caminho sem sabedoria. Por dentro.
Não conheço ainda o local invisível, para onde irei
nos próximos tempos pousar em descanso
os tenros ossos que gritam, de ternura
o avesso da carne. E as ideias que lambem
rebeldes sentimentos. E o corpo, que sonha
o amanhã que se antecipa e retorna.
Já pouco me preocupo. Escrevo
porque odeio o teu bloqueio déspota
essa tua austeridade ao talento.
Maldito. Não me deixas pintar a existência.
Mas engano-te com as minhas palavras
fuzilo-te com a minha inspiração liquida
pinto, com o cruel olhar das minhas palavras não ditas.
E repouso no teu pulsar vigorante.
Aproprio-me da bela morte. Sinto
as tuas falsas penas de neve, aveludadas
como espinhos quentes.
Mas de mãos dadas com o autentico
viverei puro como tela branca.
Sou a porta da real realidade
por onde a musa de suculenta e inteligente carne, passará.
Oh Deus! Se existes, desamarra-me
liberta-me por um dia que seja
das garras mortais deste faminto destino.
A minha existência é não vivida.
Sufocados, os meus projectos são semáforos vermelhos.
E eu salto embrulhado em arames farpados.
O conceito de felicidade é um fenómeno meramente alusivo
uma lente que apenas projecto, sem início, sem fim
numa existência sem conhecimento de mim.
Eu sou uma história irrealizável. Subjectiva.
Os meus pés jamais sangram para fora
penteiam-se no interior de uma incolor viagem
sem vento, sem desenho, sem respiração possível.
Eu deveria devorar a própria pele, crer no que não creio
ter a resiliência vontade pela qual sou engolido.
Mas tu, tu és apenas o destino que chicoteia a circunstancia
que discursa por entre as massas alucinadas.
És o engodo, a corrupção nos ossos da mediocridade.
Fazes a pura politica dos belos fenómenos em dança.
És o álibi perfeito da triste humanidade.
És o princípio sem núcleo, o fundamento primeiro
que eu quero assaltar, domesticar, concretizar
desconstruir em caos e harmonia.
Tu és o grande animal desfeito.
A lágrima congelada da criança refugiada.
E eu, eu vivo no limbo das tuas costas.
Sou a sombra que te percorre o centro.
Estou na micro-zona do teu altar.
Um dia, desdobrar-me-ei quatro vezes
para pintar o terror em beleza total.
Musa, podias vir na dança nocturna
que senta nos galhos, do jardim da bela morte.
Podias trazer o elemento do vazio, do espaço neutro
entre dois corpos, onde não há lugar
para números e mercadorias.
Eu existo na louca adversidade, na zona intermédia
onde se fazem os poetas e filósofos artistas.