21 dias homéricos"

com a tua beleza toda estampada no meu rosto intranquilo.
Por entre os dias e pela noite, o Belo, em si mesmo, visitou-me.
Quase tocou a minha solitária pele, áspera
da vida. Era a tua beleza toda de uma só vez em mim:
incorporada no meu sangue em volúpia
encostada aos meus ossos cortantes de nervos sem pulso
agora quase relaxados mas ainda mortíferos com tanta beleza.
21 dias e cada pensamento
uma nova sensação
cada pincelada
um novo afeto criado.
Na tensão do teu verde quase azul agora distante
outrora próximo pela tua generosa abundância
a minha alma procura
o teu repouso.
Todo o meu eu se quer confundir com os teus sonhos.
De pé e de joelhos dobrados ao amanhecer do teu olhar
em êxtase, exausto mas em extremo júbilo
afogado neste solo sagrado, quase ofegante
com o ar desoxigenado cansado, de me ver aos saltos
ao som dos Radiohead e das melodiosas baladas de Nick Cave
Jeff Buckley e Benjamim Clementine:
pincelar o teu rosto é como rejuvenescer ao teu lado eternamente.
E as fotos tuas todas pelo monocromático solo espalhadas…
Resta-me esquecer-te agora, nestes dias de ressaca e angústia
ou recomeçar de novo, o inacabado, o prometido, o insólito, o proibido.
21 dias atormentado e enfeitiçado pelos teus gestos. À tua procura
sem bússola, apenas saboreando o teu gelado sagrado (de chocolate).
21 dias de delicada soberba tortura, sem sentido, só, contigo na mente.
Jamais encontrarei conceitos para identificar tantos afetos.
Só tu os poderás mencionar.
21 dias de imanentes percepções
em que caminhei ao teu lado sem te poder tocar.
Porém, 21 dias dentro de ti
acariciar a tua alma, sem sono, desperto
em rebeldia, na zona intermédia, no limbo da sã loucura
a sofrer o maior dos prazeres: pintar-te.
Agora, ressacar é não conseguir esquecer a doce ternura dos teus lábios pintados.
A estoica profundidade do teu rosto, onde colocados os teus olhos habitam.
Raparigas lindas e homens feios conhecem-se e trocam vivências.
Mas não como esta…
Pudesse eu ser um outro gorila: a bela e o monstro.
Foram 21 dias não suficientes para desconstruir em obra
tua ilusão
em mim.
Ou minha ilusão em ti.
Pois a tua interna aura ainda rodopia
na zona do entre
o pincel a tela e a tinta.
E a tua imagem ainda se desdobra à espera de uma história
sem fim
pois é da realidade existencial que se trata.
Ontológico trabalho.
Processo em desenvolvimento.
Luta do meu mundo com a tua terra celestial.
Como será o teu corpo pintado?
Uma sublime extensão dos teus olhos por entre os teus lábios:
como um rio transparente que desliza pelas bermas e por dentro da noite branca bate
no meu rosto pela manhã das tuas curvas. Oh natureza humana
beijo de alma verde no infinito azul sem sangue, avermelhado
apenas nos teus lábios sagrado mundano.
21 dias suspirados, a preto e branco, com fumo e café.
Dançados ao som da tua voz.
Mas o desejo nunca vem só. Teu sorriso
nos meus olhos e tua ternura na minha tela... pela noite dentro
teu brilho aumenta a claridade da minha visão interna.
O teu silêncio noturno era apenas exterior ao meu grito
e à música que eu ouvia. Todo o universo deseja sempre colaborar
com a linguagem
que pelas minhas mãos é expressa: o teu rosto
que ainda atrai o ar dos meus pulmões
e o bater
do meu coração
em fogo.
Como é boa esta minha ressaca
dos teus 21 dias.